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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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LUÍS NASSIF

Dino e Raphael Sete Cordas

Mestre dino completou 85 anos, 50 tocando violão de sete cordas. Se você nunca frequentou um boteco, nunca visitou a casa de um chorão, não conhece a mitologia do choro, não sabe a mística que cerca um violão de sete cordas.
Raramente ele faz o solo, mas também não faz o acompanhamento burocrático. Seu papel é do contraponto. Como tal, ele tem que ser individual na criação, mas tem que adaptá-la ao conjunto. Tem que impressionar o ouvinte, mas sem roubar a cena nem desequilibrar o solista. Precisa ser individual no talento, mas pensar no conjunto. Mais que o pandeirista, é o sete cordas quem dá a pulsação do choro.
Neste mês o Centro Cultural do Banco do Brasil de São Paulo lançou o Festival Sete Cordas, com expoentes do gênero. Veio o mestre maior, Horondino Silva, que comemorou por aqui seus 85 anos. Depois, virão craques do Rio, como Luiz Filipe, o meu parceiro Jorge Simas, craques de São Paulo, como meu companheiro de CD, Zé Barbeiro e o Swami Júnior, o violão talentoso e perdulário de Yamandú Costa.
Será sentida a falta de Israel, um craque, mas tão sutil e fundamental que apenas os solistas percebem sua enorme grandeza. Faltará meu parceiro de noitadas, o João Macacão. Mas precisaria três meses de programação para que todos os grandes viessem.
Conta-me o Luiz Filipe, estudioso do tema, que o violão sete cordas foi herdado dos ciganos. Os primeiros instrumentistas brasileiros foram China, irmão de Pixinguinha, e Tute. China morreu cedo e não tinha grande brilho. Tute levou a bandeira em frente. Por volta de 1953 o bastão foi passado para Dino, que, durante anos, consolidou uma formação fundamental no regional brasileiro, o duo com o violão de seis cordas de Meira -um pernambucano histórico, que chegou ao Rio acompanhando os Turunas da Mauricéia e foi professor de violão de Baden e Raphael Rabello. Juntos, Dino e Meira passaram pelo Regional do Canhoto e, depois, pelo Conjunto Época de Ouro.
O estilo de improviso e contraponto do sete cordas, a baixaria ou bordão, como é conhecido, influenciou o próprio Pixinguinha, nos contrapontos clássicos que fez ao saxofone, em duo com a flauta de Benedito Lacerda.
No seu maior momento -o show que estrelou com Elizeth Cardoso, Zimbo Trio e Época de Ouro-, pouco antes de morrer, a maioria dos arranjos de Jacob era influenciada diretamente pelo estilo de interpretação do sete cordas.
Ao longo da história, o Brasil teve grandes nomes. Na minha opinião, o maior sete cordas da história foi meu amigo Raphael Rabello. Eu tinha ressalva quanto ao solista Raphael, excessivamente apressado e com uma má influência do estilo de Paco de Lucia -em que pese o enorme talento do espanhol e do Raphael. O próprio Raphael me confessou, uma vez, o enorme desconforto que sentia quando solava. Era tomado do sentimento de solidão típico do solista.
Mas no acompanhamento, no sete cordas, não houve nada igual. Aos 14 anos acompanhou Turíbio Santos em um LP de choros e, depois, em outro de valsas. Seu violão roubou a cena, foi um momento mágico só preservado graças à generosidade de Turíbio, um músico que não possui o sentimento da inveja.
Foi com Dino que Raphael atingiu seu maior momento, e um dos maiores da história da música instrumental brasileira. Quando os dois sentaram-se no estúdio e tocaram nem sei quantas faixas juntos, os dois contraponteando, dentro da melhor tradição do sete cordas brasileiro, acabou aquele papo de acadêmico de que a música brasileira nunca conseguiu avançar na polifonia.
Meu Deus, o que foi aquilo? O que fizeram com "Um a Zero", de Pixinguinha, Raphael como um Pelé de 17 anos correndo, criando, pulando, Dino como um Gerson de 35 anos, indo na boa, garantindo o ritmo, a colocação, o lançamento.
Ambos deixaram centenas e centenas de gravações clássicas pelo caminho, sendo a estrela maior em disco de outros solistas. Mas o dia em que o mestre e o discípulo se encontraram entrou para a história da música brasileira.
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