UOL


São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Política econômica e emprego

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

O "freio de arrumação" do primeiro trimestre foi brabo e não mostra sinais de afrouxar, a julgar pelas "projeções" da equipe macroeconômica. Toda semana se reúne a Câmara de Política Econômica, onde pontificam o secretário de Política Monetária do BC e o secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda. Os velhos vícios "ortodoxos" de quem ocupa essas cadeiras continuam de pé. Um é do "partido do juro alto" e o outro, do "partido da tesoura". Se o contingenciamento do Orçamento de 2003 era para valer, como se explica o exagero de um superávit primário de 6,3% do PIB no primeiro trimestre? O superávit comercial estava crescendo rapidamente e as necessidades da conta de capitais eram conhecidas. Por que, então, permitir uma excessiva entrada de capitais de curto prazo que aumenta a vulnerabilidade externa e levou a uma apreciação tão forte e rápida do real? Como se explica que a execução orçamentária continue na "boca do caixa" do Tesouro e atrase a liberação de despesas programadas, deixando os ministérios a "pão e laranja"?
Não há dúvida de que o debate sobre a política macroeconômica vai continuar, dentro e fora do governo, mesmo que isso torne mais difícil a tarefa do ministro da Fazenda. Existem zonas obscuras que precisam ser iluminadas e contradições que precisam ser arbitradas ou desfeitas. Essa é a essência de um governo democrático. Já está na hora de retomar a agenda central do programa do PT: desenvolvimento econômico e social, na qual a geração de renda e emprego e a ampliação do gasto social são essenciais, sem o que todas as pretensões de "inclusão social" vão por água abaixo.
A discussão sobre relação entre emprego e crescimento tem sido simplificada ao extremo pela busca de coeficientes estáveis entre funções de produção agregadas sem levar em conta os deslocamentos setoriais, regionais e empresariais da produção. As relações baixas verificadas entre o crescimento do emprego e do PIB efetivo devem-se a várias razões, entre as quais a "modernização defensiva" com baixo crescimento, como ocorreu sobretudo na última década em razão da famosa "abertura comercial competitiva". O lento crescimento da renda e o desemprego se devem sobretudo às baixas taxas de investimento agregado das duas últimas décadas e às políticas de "stop and go". Todo mundo parece ter esquecido o famoso multiplicador da renda e emprego do velho Keynes e as políticas anticíclicas.
A confusão entre liquidez, crédito ("finance") e poupança e suas relações com o investimento passou a ser uma barafunda para os "neokeynesianos" e para os acadêmicos da década de 90. Quando ouço a discussão sobre "absorção de poupança externa", referindo-se ao brutal crescimento do endividamento externo da década passada e ao aumento do IDE (quase todo para aquisições e fusões), sem aumento da taxa de investimento líquido produtivo, tenho ganas de xingar os "novos economistas". Que dizer dos mais velhos que mudaram o seu saber em troca de posições mais rendosas no setor financeiro e naturalmente nunca mais falaram da "eutanásia do rentista".
O desemprego resulta não apenas da modernização tecnológica mas também do ciclo de negócios, da baixa taxa de crescimento da renda per capita (nos últimos dois anos negativa) e da mudança no padrão de acumulação de capital, que se tornou "patrimonial" e financeiro, e não produtivo. Mesmo a diminuição da força de trabalho no setor bancário não se deve apenas à automação e tem de levar em conta as fusões e concentração bancária e a redução radical do montante de crédito interno em relação ao PIB (substituição de crédito interno por endividamento externo e outras formas de intermediação financeira com "práticas informais"). As privatizações, as fusões e as aquisições, típicas da década de 90, desempregaram também mão-de-obra altamente qualificada.
O emprego no setor público já foi uma das fontes de emprego relevantes deste país. Agora está na moda dizer que o setor público "gasta muito e mal". É curioso ver o número de servidores ativos no setor público diminuir por causa das políticas de ajuste fiscal, da terceirização do serviço público e das "aposentadorias do medo", provocadas pelas "reformas de primeira geração" (a administrativa e a previdenciária). Ninguém desconfia de que não pode haver serviços públicos universais eficientes (saúde, previdência, assistência social, educação e segurança) sem que o número de servidores ativos cresça e se qualifique?
Os investimentos produtivos e na infra-estrutura têm de ser reativados para que o crescimento da produção, da renda e do emprego sejam sustentáveis. O grosso dos bens e serviços é produzido no país e estamos precisando de crédito e renda em reais. O salário mínimo não é pago em dólar e o que importa é o seu poder de compra interno, que depende, sobretudo, da evolução dos preços da cesta básica e dos serviços essenciais. Por outro lado, as condições de negociação dos salários só melhoram com o crescimento do emprego e da renda. Na atual situação de incerteza, as empresas que estão dispostas a exportar, a substituir importações, a investir no mercado interno e a aumentar o emprego têm de receber crédito barato em reais. Os bancos públicos podem ajudar, mas não conseguem compensar o desvario das altas de juros na ponta nem arcar com o risco das flutuações cambiais.
Existem os novos projetos de investimento que já estão no forno: saneamento, construção civil, toda a cadeia de petróleo, derivados e plataformas de exploração, indústria naval, papel e celulose e siderurgia são alguns exemplos. A eletrônica, as telecomunicações e a farmacêutica, que são as mais sensíveis ao componente importado e à mudança tecnológica, terão de ser contempladas com um programa de médio prazo.
Para esses programas de investimento, podem contribuir tanto as pequenas e médias empresas quanto as grandes, independentemente dos seus coeficientes técnicos e de escala de produção, contanto que haja aumento de capacidade produtiva sem desemprego. Os objetivos não são incompatíveis, mas complementares. Basta de falsas oposições.


Maria da Conceição Tavares, 72, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br




Texto Anterior: Tendências internacionais: Redes estratégicas criam ondas de acumulação
Próximo Texto: Luís Nassif: Dino e Raphael Sete Cordas
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.