São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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ARTIGO

Recuperação em risco

PHILIP COGGAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Subitamente, a recuperação mundial nos mercados de ações parece estar encontrando problemas. Ontem, dois indicadores simbólicos foram notados: os contratos futuros do Dow Jones caíram para a marca dos 10 mil pontos, enquanto as ações asiáticas sofriam sua maior perda diária desde os ataques terroristas contra os Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001.
Não é difícil detectar as causas imediatas. Primeiro, os números sobre as folhas de pagamento não-agrícolas confirmaram que os EUA já não estão enfrentando uma recuperação sem emprego. Os economistas se apressaram a antecipar sua estimativa quanto aos primeiros aumentos de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), de agosto para junho. Ao mesmo tempo, o petróleo está oscilando em torno da marca dos US$ 40 por barril, um reflexo do tumulto no Oriente Médio (ainda que tenha caído ontem pela manhã devido a indicações de que a Arábia Saudita elevaria sua produção).
Há quem alegue que os mercados não deveriam se preocupar com nenhum dos desdobramentos. Os juros norte-americanos, dizem, são um sinal do poderio econômico do país; o Fed estaria simplesmente devolvendo os juros ao patamar "normal". O petróleo já não é significativo para a economia quanto nos anos 70.
Mas é evidente que muitos investidores não estão tão confiantes. A razão para o desânimo deve ser o fato de que, após se preocuparem com a deflação por anos, agora subitamente é preciso que voltem suas atenções à inflação.
Os indícios, no entanto, dificilmente podem ser considerados como decisivos. O comportamento dos bônus de dez anos do Tesouro norte-americano decerto merece atenção, depois da alta de um ponto nas semanas recentes. Mas o ouro, um tradicional refúgio contra a inflação, caiu mais de US$ 40 a onça-troy ao longo do mesmo período. E, de fato, os preços das demais commodities também se desaceleraram de maneira significativa, após uma longa alta.

Fuga
Em lugar disso, os recentes movimentos de mercado se parecem mais com uma fuga das posições especulativas financiadas por empréstimos captados em dólares norte-americanos. Ao longo de boa parte do ano passado, os investimentos de risco pareciam excelentes. Era possível tomar empréstimos com juros anuais de 1%, em uma moeda cuja taxa de câmbio estava em queda, e adquirir ou ativos de alto rendimento (títulos corporativos, papéis de mercados emergentes) ou ativos que encontravam rápida valorização de preços (ouro e outras commodities, ações de tecnologia).
As suposições que embasavam essas transações estão sendo negadas agora. Os juros dos EUA devem subir, o dólar se recuperou, o boom na China (que ajudava a estimular os mercados de commodities) talvez se desacelere. À medida que os especuladores reduzem suas posições (por exemplo, recomprando os dólares necessários a cobrir seus empréstimos), cresce o ímpeto nessa direção.

Situação complicada
A situação não é tão simples quanto a procura de um refúgio seguro, porque os preços dos papéis do Tesouro norte-americano estão caindo. É claro que tomar empréstimos a juros de 1% para investir em bônus com rendimento de 4% era uma jogada especulativa clássica. Essas posições agora precisarão ser liquidadas.
Mas existem elementos relacionados à busca de refúgio seguro nos movimentos recentes de mercado. A State Street, gigante mundial do setor custódia, registrou nos últimos meses a mais acentuada alta de influxos para os setores defensivos (como tabaco e bebidas) dos últimos oito anos.
Enquanto os operadores reorientam suas carteiras apressadamente, alguém, em algum lugar, está perdendo, e muito.
Um olhar cauteloso na direção da comunidade de fundos de hedge e nos balancetes trimestrais dos bancos de investimentos será muito necessário.


Tradução de Paulo Migliacci


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