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OPINIÃO ECONÔMICA
O mínimo do mínimo
BENJAMIN STEINBRUCH
Antes de 1988, era comum
encontrar aposentados recebendo apenas alguns centavos
por mês. Na época, reportagens
da imprensa mostravam muitos
casos de idosos que nem iam ao
banco todos os meses para retirar
a aposentadoria. Faziam isso
apenas a cada três ou quatro meses, porque o dinheiro que gastavam com a passagem de ônibus
levava quase metade do que recebiam por mês.
Isso tudo ocorria porque as aposentadorias não haviam sido corrigidas de acordo com a inflação
nos anos anteriores e acabaram
tendo seu valor reduzido quase a
zero.
A Constituição de 1988 pôs fim
a essa distorção ao determinar
que todos os brasileiros, ativos ou
inativos, teriam o direito de receber pelo menos um salário mínimo por mês. Com isso, hoje, 14 milhões de pessoas, mais da metade
dos aposentados da Previdência,
recebem exatamente esse piso,
que é de R$ 260 por mês -e uma
minoria ganha mais, até o limite
de R$ 2.400.
Na prática, portanto, esse enorme contingente de aposentados
tem hoje seus proventos reajustados anualmente com o salário
mínimo. Na semana passada, para justificar o mínimo aumento
do mínimo, o governo lembrou
que não poderia conceder um
reajuste maior porque isso teria
um impacto muito forte no orçamento da Previdência, que já
apresenta um déficit de R$ 31 bilhões.
Voltou então ao debate a idéia
de modificar a Constituição para
acabar com a vinculação do reajuste do mínimo ao das aposentadorias. Admira-me que pessoas
bem informadas possam admitir
a discussão dessa mudança, que,
na prática, pode abrir a porta para trazer de volta situações como
as vividas no passado recente.
Sem a vinculação, antes de 1988, o
governo deixava as aposentadorias sem reajuste durante longos
períodos. Era uma atitude socialmente perversa, tomada sob argumento idêntico ao atual: a busca do equilíbrio das contas da
Previdência.
Alguns economistas sugerem
que a desvinculação dos reajustes
do salário mínimo e das aposentadorias poderia ocorrer desde
que fosse criada uma proteção
aos beneficiários da Previdência,
que seria um sistema de indexação para os pagamentos dos aposentados. Ou seja, as aposentadorias passariam a ser reajustadas
com base na variação de um índice de inflação, como o IGP ou o
IPCA. Assim, o governo teria liberdade para aumentar o mínimo a seu bel-prazer, para R$ 300
ou até R$ 400.
Para que essa fórmula funcionasse, o reajuste das aposentadorias pelo IGP ou IPCA teria de ser
incluído na Constituição. Caso
contrário, no futuro, governos insensíveis às causas sociais poderiam descumprir essa norma, o
que traria de volta uma situação
semelhante à de antes de 1988.
Porém seria temerário colocar na
Constituição um mecanismo de
correção monetária que no passado -triste memória!- teve papel de realimentador da inflação.
Além disso, a idéia de alterar a
Constituição para tirar dos aposentados o direito adquirido de
receber pelo menos um salário
mínimo constitui perversidade
social. As repercussões dessa medida, se ela fosse viabilizada de
alguma forma, certamente levariam à ruína política todos os que
se responsabilizassem por ela (entre parênteses, é bom lembrar que
estamos falando da Previdência
geral do INSS, e não da dos servidores públicos, que abriga marajás com aposentadorias de até R$
50 mil).
Resta, então, a conclusão de que
o caminho para melhorar o nível
do salário mínimo não passa pela
desvinculação. A saída, como
sempre, é botar a economia para
crescer, com redução de juros, crédito amplo para investimentos
produtivos e apoio especial a setores altamente absorvedores de
mão-de-obra. Com a economia
em crescimento, a receita da Previdência Social tenderá a crescer
naturalmente, pela maior contratação de mão-de-obra, pela formalização dos contratos e pela
elevação dos salários reais. Com
receita maior, a Previdência terá
recursos para pagar aos aposentados, ainda que o salário mínimo tenha aumentos reais.
O salário mínimo é, sem dúvida, um importante instrumento
de distribuição de renda. Estão
certos aqueles que se preocupam
em encontrar uma fórmula para
elevar o seu valor real. Aliás, já
existem mecanismos que permitem alguma flexibilidade nessa
matéria. Os governadores, por
exemplo, estão autorizados por
lei a fixar níveis mais elevados de
salário mínimo em seus Estados.
Pode-se pensar ainda em eventuais abonos para os que recebem
o mínimo. Mas não é admissível
que, sob o pretexto da elevação
real do mínimo, se pense em cassar direitos adquiridos de aposentados.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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