São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O mínimo do mínimo

BENJAMIN STEINBRUCH

Antes de 1988, era comum encontrar aposentados recebendo apenas alguns centavos por mês. Na época, reportagens da imprensa mostravam muitos casos de idosos que nem iam ao banco todos os meses para retirar a aposentadoria. Faziam isso apenas a cada três ou quatro meses, porque o dinheiro que gastavam com a passagem de ônibus levava quase metade do que recebiam por mês.
Isso tudo ocorria porque as aposentadorias não haviam sido corrigidas de acordo com a inflação nos anos anteriores e acabaram tendo seu valor reduzido quase a zero.
A Constituição de 1988 pôs fim a essa distorção ao determinar que todos os brasileiros, ativos ou inativos, teriam o direito de receber pelo menos um salário mínimo por mês. Com isso, hoje, 14 milhões de pessoas, mais da metade dos aposentados da Previdência, recebem exatamente esse piso, que é de R$ 260 por mês -e uma minoria ganha mais, até o limite de R$ 2.400.
Na prática, portanto, esse enorme contingente de aposentados tem hoje seus proventos reajustados anualmente com o salário mínimo. Na semana passada, para justificar o mínimo aumento do mínimo, o governo lembrou que não poderia conceder um reajuste maior porque isso teria um impacto muito forte no orçamento da Previdência, que já apresenta um déficit de R$ 31 bilhões.
Voltou então ao debate a idéia de modificar a Constituição para acabar com a vinculação do reajuste do mínimo ao das aposentadorias. Admira-me que pessoas bem informadas possam admitir a discussão dessa mudança, que, na prática, pode abrir a porta para trazer de volta situações como as vividas no passado recente. Sem a vinculação, antes de 1988, o governo deixava as aposentadorias sem reajuste durante longos períodos. Era uma atitude socialmente perversa, tomada sob argumento idêntico ao atual: a busca do equilíbrio das contas da Previdência.
Alguns economistas sugerem que a desvinculação dos reajustes do salário mínimo e das aposentadorias poderia ocorrer desde que fosse criada uma proteção aos beneficiários da Previdência, que seria um sistema de indexação para os pagamentos dos aposentados. Ou seja, as aposentadorias passariam a ser reajustadas com base na variação de um índice de inflação, como o IGP ou o IPCA. Assim, o governo teria liberdade para aumentar o mínimo a seu bel-prazer, para R$ 300 ou até R$ 400.
Para que essa fórmula funcionasse, o reajuste das aposentadorias pelo IGP ou IPCA teria de ser incluído na Constituição. Caso contrário, no futuro, governos insensíveis às causas sociais poderiam descumprir essa norma, o que traria de volta uma situação semelhante à de antes de 1988. Porém seria temerário colocar na Constituição um mecanismo de correção monetária que no passado -triste memória!- teve papel de realimentador da inflação.
Além disso, a idéia de alterar a Constituição para tirar dos aposentados o direito adquirido de receber pelo menos um salário mínimo constitui perversidade social. As repercussões dessa medida, se ela fosse viabilizada de alguma forma, certamente levariam à ruína política todos os que se responsabilizassem por ela (entre parênteses, é bom lembrar que estamos falando da Previdência geral do INSS, e não da dos servidores públicos, que abriga marajás com aposentadorias de até R$ 50 mil).
Resta, então, a conclusão de que o caminho para melhorar o nível do salário mínimo não passa pela desvinculação. A saída, como sempre, é botar a economia para crescer, com redução de juros, crédito amplo para investimentos produtivos e apoio especial a setores altamente absorvedores de mão-de-obra. Com a economia em crescimento, a receita da Previdência Social tenderá a crescer naturalmente, pela maior contratação de mão-de-obra, pela formalização dos contratos e pela elevação dos salários reais. Com receita maior, a Previdência terá recursos para pagar aos aposentados, ainda que o salário mínimo tenha aumentos reais.
O salário mínimo é, sem dúvida, um importante instrumento de distribuição de renda. Estão certos aqueles que se preocupam em encontrar uma fórmula para elevar o seu valor real. Aliás, já existem mecanismos que permitem alguma flexibilidade nessa matéria. Os governadores, por exemplo, estão autorizados por lei a fixar níveis mais elevados de salário mínimo em seus Estados. Pode-se pensar ainda em eventuais abonos para os que recebem o mínimo. Mas não é admissível que, sob o pretexto da elevação real do mínimo, se pense em cassar direitos adquiridos de aposentados.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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