São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

Os problemas de Viegas

Os problemas enfrentados pelo ministro da Defesa, José Viegas, fazem parte de uma transição histórica incompleta, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso. Em todas as nações modernas, o poder civil logrou pactos com o poder militar, subordinando-os a uma orientação civil. Para tanto, havia a necessidade de que o comando civil tivesse visão de segurança e capacidade de diálogo com as forças militares.
Exemplo típico foram os Estados Unidos no pós-guerra, com controle civil mesmo com todo o prestígio angariado pelas três armas no conflito.
No caso brasileiro, o Ministério de Defesa foi criado no governo FHC, com poder sobre as três Armas. Mas não se cuidou de institucionalizar as relações, definir as regras de convivência. As sucessivas gestões foram anódinas.
O governo Lula indicou Viegas, diplomata competente, com visão internacional, vindo de uma corporação hierarquizada, na qual pedidos são ordens -da mesma maneira que a hierarquia militar.
Mas não se deu conta de que era peixe de fora, o que exigia jogo de cintura e visão política para ser, ao mesmo tempo, o representante do governo comandando as Forças Armadas e o representante das Forças Armadas no governo.
Não houve um episódio em particular para justificar o atual desgaste do ministro.
Um deles foi a questão do reajuste salarial das Forças Armadas. A corporação não é um aglomerado de meganhas, mas uma organização com pessoal qualificado, submetido a treinamento continuado, educação, especializações variadas.
Em vez de atuar nos bastidores, Viegas deu declarações públicas a favor do aumento. Enquadrado pela área econômica, voltou atrás e deixou de atuar mesmo internamente para rever a decisão. Independentemente de sua impotência para resolver essa questão, os oficiais acabaram se sentindo traídos por ele.
O mesmo sentimento se deu na licitação FX, quando Viegas deu sucessivos sinais de sua preferência pela proposta russa, sendo que o Alto Comando da Aeronáutica preferia o Gripen, da Suécia.
Para observadores da cena militar, Viegas é sujeito preparado, inteligente, com possibilidade de inverter o desgaste atual nas Forças Armadas. Mas grande parte do desgaste decorre da incapacidade do governo como um todo de entender aspectos relevantes da defesa nacional.
Um dos problemas estratégicos dos próximos anos será o petróleo. A costa brasileira possui uma das maiores reservas potenciais de petróleo do mundo. A energia nuclear é uma alternativa relevante. A defesa da costa depende basicamente de submarinos. E o desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro foi prejudicado por cortes orçamentários. O enriquecimento de urânio esbarra no mesmo problema.
Na Amazônia, depois de investir US$ 1 bilhão no projeto Sivam, o que se observa são equipamentos de alta sofisticação se deteriorando, por falta de recursos orçamentários.
Esse passivo do governo está sendo debitado na conta de Viegas.

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