São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Consenso Brasileiro

PAULO RABELLO DE CASTRO

Existe o Consenso de Washington. Agora descobri o Consenso Brasileiro. O de Washington é um rol de providências e reformas propostas por um grupo de economistas norte-americanos para acelerar o crescimento de países retardatários, mantendo estabilidade monetária e fiscal. Há dez anos praticamos (ou tentamos praticar) o Consenso de Washington aqui no Brasil.
Mas há opinião discordante, que se avoluma a cada dia. Existe um Consenso Brasileiro. Tive o prazer de descobrir isso na Bahia, na semana passada. Essa Bahia é sempre diferenciada, por sua liderança sorridente e simpática, também porque competente entre os Estados da Federação. Fui a Salvador falar ao Fórum dos secretários de Planejamento dos 27 Estados, coordenado pelo dinâmico economista Armando Avena, da Bahia. Estar em um fórum de planejadores e de planejamento, por si só, é diferente do Consenso de Washington, que, mal lido e mal interpretado, resultou na desconstrução da relevância transcendente do ato de planejar. A arenga ideológica pós-Real associou planejamento à gastança pública -uma estupidez, pois é justamente o inverso- e o conceito de plano econômico como conflitivo à primazia do "mercado" como formador de preços e decisões microeconômicas. Nada mais tolo. Planejar é prever, com método, e depois, avaliar e corrigir, para melhorar.
Paradoxalmente, no Brasil de hoje, o grande planejamento que o governo faz e a sociedade acompanha, até neuroticamente, é o inflacionário. Não há planejamento mais rígido do que fixar meta de 5,1% de inflação para acontecer daqui a 12 meses e quebrar paus e pedras (no caso, na cabeça do povo) na tentativa de alcançá-la. O Brasil desplanejado só planeja inflação. E erra. Feio. A sociedade, perceptiva, está repudiando essa falta de bom-senso. Não engole mais a fantasia de que temos de tomar sopa de pregos por meio da "política" de juros -os mais escrachados do mundo- para controlar uma suposta estabilidade monetária.
Nossa moeda ainda é, evidentemente, instável, mesmo após 11 anos da MP do Plano Real, que criou o novo padrão monetário. Há, pelo menos, três razões para tal instabilidade persistir até hoje.
Primeiro: esquecemos de desindexar a economia. Bem, é verdade: passamos à indexação anual, aplicada de modo torto e vesgo, pois, para uns, vale o IGP-M, que tem crescido, há sete anos, muito acima do poder de compra nominal. Para outros, a indexação é só de quando em vez: deram 10% de ajuste na tabela do IR, após anos de congelamento. Temos de desindexar já. Com coragem. Com o mesmo destemor com que aplicamos a MP do Real, mesmo contra a negativa medrosa do FMI.
Segundo: Confundimos, até hoje, gasto público com gastança. É preciso preservar o gasto, acabando com a gastança. Assim fizeram outros países, inclusive os EUA, nosso padrão recente. Reagan montou uma comissão do setor privado (trabalhando de graça) que reviu o custo/benefício de cada setor do governo federal. Foi o "War on Waste" (guerra à gastança). Toparíamos fazer o mesmo? Está aí um belo trabalho para Lula imitar. Isso levantaria o moral dos brasileiros. Devemos começar, porém, por uma revisão do gasto financeiro. Pagar R$ 150 bilhões de juros é intragável.
Terceiro: devemos rever o conceito de moeda e de política monetária. País como o Brasil, cujo estoque da dívida pública cresce continuamente com o juro básico, por estar atrelado aos indexadores Selic e IGP, deveria deixar a "política" de juros para casos de extrema gravidade. No entanto tomamos juros como aspirina, viciados no tal 0,25 ponto de alta mensal. Enquanto isso, a moeda se expande, e o crédito dirigido também. A alta dos juros cria o enriquecimento perverso do andar de cima da sociedade, à custa do andar de baixo. É o planejamento da desigualdade e da perpétua instabilidade do padrão monetário. Discutir a autonomia do BC sem, antes, reconceituar o padrão monetário chega a soar como piada de mau gosto.
O rei está nu e a política monetária é péssima. O Consenso Brasileiro existe e sabe disso. É o que se comenta em Salvador e por toda parte. É bom que Brasília escute. Ainda há tempo.


Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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