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OPINIÃO ECONÔMICA
Consenso Brasileiro
PAULO RABELLO DE CASTRO
Existe o Consenso de Washington. Agora descobri o
Consenso Brasileiro. O de Washington é um rol de providências
e reformas propostas por um grupo de economistas norte-americanos para acelerar o crescimento
de países retardatários, mantendo estabilidade monetária e fiscal. Há dez anos praticamos (ou
tentamos praticar) o Consenso de
Washington aqui no Brasil.
Mas há opinião discordante,
que se avoluma a cada dia. Existe
um Consenso Brasileiro. Tive o
prazer de descobrir isso na Bahia,
na semana passada. Essa Bahia é
sempre diferenciada, por sua liderança sorridente e simpática,
também porque competente entre
os Estados da Federação. Fui a
Salvador falar ao Fórum dos secretários de Planejamento dos 27
Estados, coordenado pelo dinâmico economista Armando Avena, da Bahia. Estar em um fórum
de planejadores e de planejamento, por si só, é diferente do Consenso de Washington, que, mal lido e mal interpretado, resultou
na desconstrução da relevância
transcendente do ato de planejar.
A arenga ideológica pós-Real associou planejamento à gastança
pública -uma estupidez, pois é
justamente o inverso- e o conceito de plano econômico como
conflitivo à primazia do "mercado" como formador de preços e
decisões microeconômicas. Nada
mais tolo. Planejar é prever, com
método, e depois, avaliar e corrigir, para melhorar.
Paradoxalmente, no Brasil de
hoje, o grande planejamento que
o governo faz e a sociedade acompanha, até neuroticamente, é o
inflacionário. Não há planejamento mais rígido do que fixar
meta de 5,1% de inflação para
acontecer daqui a 12 meses e quebrar paus e pedras (no caso, na
cabeça do povo) na tentativa de
alcançá-la. O Brasil desplanejado
só planeja inflação. E erra. Feio. A
sociedade, perceptiva, está repudiando essa falta de bom-senso.
Não engole mais a fantasia de
que temos de tomar sopa de pregos por meio da "política" de juros -os mais escrachados do
mundo- para controlar uma suposta estabilidade monetária.
Nossa moeda ainda é, evidentemente, instável, mesmo após 11
anos da MP do Plano Real, que
criou o novo padrão monetário.
Há, pelo menos, três razões para
tal instabilidade persistir até hoje.
Primeiro: esquecemos de desindexar a economia. Bem, é verdade: passamos à indexação anual,
aplicada de modo torto e vesgo,
pois, para uns, vale o IGP-M, que
tem crescido, há sete anos, muito
acima do poder de compra nominal. Para outros, a indexação é só
de quando em vez: deram 10% de
ajuste na tabela do IR, após anos
de congelamento. Temos de desindexar já. Com coragem. Com o
mesmo destemor com que aplicamos a MP do Real, mesmo contra
a negativa medrosa do FMI.
Segundo: Confundimos, até hoje, gasto público com gastança. É
preciso preservar o gasto, acabando com a gastança. Assim fizeram
outros países, inclusive os EUA,
nosso padrão recente. Reagan
montou uma comissão do setor
privado (trabalhando de graça)
que reviu o custo/benefício de cada setor do governo federal. Foi o
"War on Waste" (guerra à gastança). Toparíamos fazer o mesmo? Está aí um belo trabalho para Lula imitar. Isso levantaria o
moral dos brasileiros. Devemos
começar, porém, por uma revisão
do gasto financeiro. Pagar R$ 150
bilhões de juros é intragável.
Terceiro: devemos rever o conceito de moeda e de política monetária. País como o Brasil, cujo
estoque da dívida pública cresce
continuamente com o juro básico,
por estar atrelado aos indexadores Selic e IGP, deveria deixar a
"política" de juros para casos de
extrema gravidade. No entanto
tomamos juros como aspirina, viciados no tal 0,25 ponto de alta
mensal. Enquanto isso, a moeda
se expande, e o crédito dirigido
também. A alta dos juros cria o
enriquecimento perverso do andar de cima da sociedade, à custa
do andar de baixo. É o planejamento da desigualdade e da perpétua instabilidade do padrão
monetário. Discutir a autonomia
do BC sem, antes, reconceituar o
padrão monetário chega a soar
como piada de mau gosto.
O rei está nu e a política monetária é péssima. O Consenso Brasileiro existe e sabe disso. É o que
se comenta em Salvador e por toda parte. É bom que Brasília escute. Ainda há tempo.
Paulo Rabello de Castro, 56, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também o
conselho da consultoria GRC Visão. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br
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