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ANÁLISE
Incoerências do fundo soberano brasileiro
ÉRICA FRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil vai entrar para a lista
dos países que possuem fundos
soberanos como uma exceção
incoerente. Entre os pouco
mais de 30 países que lançaram
instrumentos desse tipo, mais
de 20 geram tanto superávits
fiscais como em conta corrente
-muitas vezes expressivos e
estruturais-, os demais exibem pelo menos um dos dois
indicadores. Não é o caso do
Brasil, que tem déficit fiscal, ou
seja, gasta mais do que arrecada; e, a partir deste ano, voltará
a ter resultado negativo na sua
conta corrente (que contabiliza
o resultado das relações de trocas de bens, serviços e renda de
um país com o exterior).
O único entre os países com
típico fundo soberano que, a
exemplo do Brasil, foge à regra
dos superávits é o Cazaquistão.
Mas esse quadro vai mudar, já
que o Cazaquistão ainda não
atingiu o pico de produção de
seus enormes campos de petróleo, o que deve acontecer ao
longo dos próximos anos,
quando passará a gerar superávits em sua conta corrente. Embora o Brasil tenha feito importantes descobertas de reservas
de petróleo recentemente, ainda não está claro quando e o
quanto isso deverá influenciar
nas contas externas.
Não é mero acaso que fundos
soberanos e superávits, especialmente em conta corrente,
andem juntos. O objetivo desses instrumentos é justamente
investir o excedente de moeda
estrangeira que determinado
país possui. A idéia pode ser garantir um futuro tranqüilo para
próximas gerações: o caso clássico é o de países altamente dependentes da exploração de petróleo ou outro recurso natural
não-renovável, cujas reservas
tendem a se exaurir. A maior
parte dos fundos soberanos
(como os dos Emirados Árabes
Unidos, da Arábia Saudita e do
Kuait) se enquadra nesse perfil.
No caso de países que geram
superávits estruturais em suas
contas correntes, mesmo sem
depender da exportação de
commodities (China, Cingapura, Coréia do Sul), os fundos soberanos visam garantir um retorno mais alto para o excesso
de poupança gerado do que esta
teria se fosse gerenciada de forma mais conservadora como
reserva internacional. Há ainda
poucos países que só possuem
superávit fiscal (Austrália, Nova Zelândia, Irlanda) e aplicam
parte desse excedente em fundos soberanos que têm como
objetivo garantir a pensão de
futuros aposentados.
Ou seja, governos lançam
fundos soberanos geralmente
porque têm superávit em conta
corrente. O Brasil quer revolucionar e inverter essa lógica: as
autoridades econômicas dizem
que vão criar um fundo desse
tipo para voltar a ter superávit
em transações correntes. Isso
seria atingido por meio de financiamentos dados pelo fundo para empresas brasileiras
que querem se internacionalizar e aumentar sua competitividade a custos mais baixos do
que conseguem no mercado. A
dúvida ainda não totalmente
esclarecida é de onde viriam os
recursos para capitalizar esse
fundo na falta de superávits fiscal e de conta corrente?
A opção que no momento parece mais óbvia é que o dinheiro para o fundo soberano venha
do excedente de fluxos de capital de outra natureza que entram no país, como investimentos estrangeiros diretos e
aplicações que investidores de
fora fazem no mercado de
ações e títulos locais.
Mas esses não são recursos
de brasileiros, é dinheiro que
não-residentes estão dispostos
a "nos emprestar" porque
acham que o retorno que terão
aqui será atrativo. Sem aviso
prévio podem simplesmente
sair do país. Pode-se argumentar que os investimentos estrangeiros diretos para o país
são crescentes e têm natureza
de longo prazo, portanto não
são voláteis. Mas não se pode
prever a estabilidade futura
desses fluxos. Além disso, investimentos de fora no mercado doméstico de ações e títulos,
que são tipicamente de curto
prazo e voláteis, representam
importante fatia dos fluxos de
capital que o Brasil recebe.
A grande pergunta é se faz
sentido criar um instrumento
de política econômica de longo
prazo contando com recursos
"emprestados" de investidores
estrangeiros e com perfil (em
termos de horizonte de tempo)
potencialmente diferente. O
governo também tem a opção
de promover um enorme esforço fiscal para capitalizar parte
do fundo soberano. Mas isso
suscitaria outras questões, como: o contribuinte brasileiro
está disposto a subsidiar empresas? Por que não usar os recursos extras do esforço fiscal
para quitar parte da (ainda elevada) dívida pública?
O diagnóstico do governo de
que as empresas ainda podem
melhorar sua competitividade
parece certo. Mas parte desse
problema vem da própria qualidade do ambiente de negócios
do Brasil, que, em um ranking
da EIU (Economist Intelligence Unit) que compara 82 nações nesse quesito, ocupa apenas a 41ª posição. As razões para o resultado medíocre são fartamente conhecidas: infra-estrutura e sistema educacionais
deficientes, baixa efetividade
política, ambiente tributário
nocivo, entre outros problemas. Nada disso se revolverá
com fundo soberano.
ÉRICA FRAGA (ericafraga@eiu.com) é editora
de América Latina da Economist Intelligence
Unit
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