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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma leitura correta do PIB
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Assistimos hoje a mais um
capítulo de um longo debate
sobre que caminho seguir para levar o país a uma rota de crescimento sustentado. No início, fins
de 1995, ele esteve restrito a um
pequeno e seleto grupo de membros do governo FHC. A partir do
segundo mandato de FHC, essas
discussões passaram a ser feitas
no ambiente da opinião pública à
medida que o malanismo passou
a ser hegemônico, depois da demissão do então ministro Clóvis
Carvalho. Hoje o debate sobre a
política seguida pelo ministro Palocci também tem que ser feito fora do governo, depois que o grupo
que a ela se opõe foi silenciado pela disciplina rígida do PT.
O debate entre essas duas escolas, batizadas no Brasil de malanismo e desenvolvimentismo, cada vez mais se parece com o que
aconteceu há 70 anos entre Keynes e os economistas da escola
clássica. De um lado, estão aqueles que defendem a liberação das
forças de mercado de qualquer
controle do governo para que a
mão invisível do mercado leve a
economia ao pleno emprego. De
outro estão os que entendem que
as forças de mercado acabam
criando, de tempos em tempos,
desequilíbrios macroeconômicos
importantes na economia de um
país. Nessa situação, somente a
ação do Estado pode recolocar os
negócios no caminho do crescimento sustentado. Essa intervenção não se dá, portanto, contra o
mercado, como procuram vender
os nossos novos clássicos, mas sim
a favor dos mercados.
Nessa verdadeira guerra santa,
tudo é permitido, inclusive a mistificação das estatísticas, como
ocorreu agora com o crescimento
do PIB no primeiro trimestre de
2004. Na ânsia de mostrar o sucesso do caminho que estamos trilhando, em um momento em que
a realidade do desemprego ameaçava o ministro Palocci e sua
equipe, seus defensores transformaram um crescimento medíocre
no primeiro trimestre de 2004 em
um verdadeiro espetáculo. Isso
ocorreu por problema de natureza metodológica nas contas do
IBGE, como citei na coluna da semana passada.
Essa instituição construiu uma
nova série da produção industrial
aproveitando os resultados de
uma pesquisa mais recente sobre
a indústria brasileira. Como ela
só ficou pronta no início deste
ano, o PIB de 2003 foi calculado
com a série velha, e o PIB do primeiro trimestre deste ano, com a
série nova. Por acaso, ocorreu
uma situação em que a série velha apresentou no último trimestre de 2003 números inferiores aos
da série nova. Isso não é verdade
para os números dos três primeiros trimestres de 2003.
Essa armadilha estatística levou o IBGE a divulgar um crescimento industrial de 1,7% no PIB
do primeiro trimestre, enquanto
a variação da nova serie aponta
uma queda de 1,2% no mesmo
período. Corrigido esse problema
metodológico, o crescimento passa de 1,6%, como foi anunciado,
para apenas 0,5%. Ou, como gosta o presidente do Banco Central,
de mais de 6% ao ano para apenas 2%. Consultado por alguns
analistas, o IBGE defendeu-se ao
dizer que a série da produção industrial calculada fora do PIB representa apenas 70% do total da
indústria pesquisada para efeito
do cálculo do PIB. Estaria aí a explicação para a diferença encontrada.
Mas isso não é absolutamente
verdade. Basta uma análise mais
detalhada dos números para
mostrar que essa justificativa não
fica em pé. Seríamos obrigados a
aceitar que os 30% da indústria
que estão fora da série industrial
mensal do IBGE teriam que crescer mais de 9% em relação ao trimestre anterior, ou 36% ao ano,
para que os números divulgados
fossem corretos. Ganha um bombom quem for capaz de identificar um setor da indústria brasileira, fora da série mensal do IBGE,
nessa situação.
Mas existe uma outra prova
dessa mistificação: basta comparar a série da produção industrial
que está dentro do PIB, chamada
de série encadeada, com a série
mensal da produção industrial
para notar que elas andam sempre juntas. Não seria agora que
elas iriam apresentar uma divergência dessa magnitude.
Outra justificativa para esse
choque de números -divergências nos coeficientes de sazonalidade entre a série nova e a velha- também não resiste a um
passar de olhos sobre as duas séries colocadas em um gráfico. Não
tenho dúvida de que estão nos
vendendo gato por lebre nessa
questão do crescimento no primeiro trimestre do ano. Quem
quiser olhar os dados com mais
detalhes pode me contatar por e-mail.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e
editor do site de economia e política
Primeira Leitura. Foi presidente do
BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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