São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma leitura correta do PIB

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Assistimos hoje a mais um capítulo de um longo debate sobre que caminho seguir para levar o país a uma rota de crescimento sustentado. No início, fins de 1995, ele esteve restrito a um pequeno e seleto grupo de membros do governo FHC. A partir do segundo mandato de FHC, essas discussões passaram a ser feitas no ambiente da opinião pública à medida que o malanismo passou a ser hegemônico, depois da demissão do então ministro Clóvis Carvalho. Hoje o debate sobre a política seguida pelo ministro Palocci também tem que ser feito fora do governo, depois que o grupo que a ela se opõe foi silenciado pela disciplina rígida do PT.
O debate entre essas duas escolas, batizadas no Brasil de malanismo e desenvolvimentismo, cada vez mais se parece com o que aconteceu há 70 anos entre Keynes e os economistas da escola clássica. De um lado, estão aqueles que defendem a liberação das forças de mercado de qualquer controle do governo para que a mão invisível do mercado leve a economia ao pleno emprego. De outro estão os que entendem que as forças de mercado acabam criando, de tempos em tempos, desequilíbrios macroeconômicos importantes na economia de um país. Nessa situação, somente a ação do Estado pode recolocar os negócios no caminho do crescimento sustentado. Essa intervenção não se dá, portanto, contra o mercado, como procuram vender os nossos novos clássicos, mas sim a favor dos mercados.
Nessa verdadeira guerra santa, tudo é permitido, inclusive a mistificação das estatísticas, como ocorreu agora com o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2004. Na ânsia de mostrar o sucesso do caminho que estamos trilhando, em um momento em que a realidade do desemprego ameaçava o ministro Palocci e sua equipe, seus defensores transformaram um crescimento medíocre no primeiro trimestre de 2004 em um verdadeiro espetáculo. Isso ocorreu por problema de natureza metodológica nas contas do IBGE, como citei na coluna da semana passada.
Essa instituição construiu uma nova série da produção industrial aproveitando os resultados de uma pesquisa mais recente sobre a indústria brasileira. Como ela só ficou pronta no início deste ano, o PIB de 2003 foi calculado com a série velha, e o PIB do primeiro trimestre deste ano, com a série nova. Por acaso, ocorreu uma situação em que a série velha apresentou no último trimestre de 2003 números inferiores aos da série nova. Isso não é verdade para os números dos três primeiros trimestres de 2003.
Essa armadilha estatística levou o IBGE a divulgar um crescimento industrial de 1,7% no PIB do primeiro trimestre, enquanto a variação da nova serie aponta uma queda de 1,2% no mesmo período. Corrigido esse problema metodológico, o crescimento passa de 1,6%, como foi anunciado, para apenas 0,5%. Ou, como gosta o presidente do Banco Central, de mais de 6% ao ano para apenas 2%. Consultado por alguns analistas, o IBGE defendeu-se ao dizer que a série da produção industrial calculada fora do PIB representa apenas 70% do total da indústria pesquisada para efeito do cálculo do PIB. Estaria aí a explicação para a diferença encontrada.
Mas isso não é absolutamente verdade. Basta uma análise mais detalhada dos números para mostrar que essa justificativa não fica em pé. Seríamos obrigados a aceitar que os 30% da indústria que estão fora da série industrial mensal do IBGE teriam que crescer mais de 9% em relação ao trimestre anterior, ou 36% ao ano, para que os números divulgados fossem corretos. Ganha um bombom quem for capaz de identificar um setor da indústria brasileira, fora da série mensal do IBGE, nessa situação.
Mas existe uma outra prova dessa mistificação: basta comparar a série da produção industrial que está dentro do PIB, chamada de série encadeada, com a série mensal da produção industrial para notar que elas andam sempre juntas. Não seria agora que elas iriam apresentar uma divergência dessa magnitude.
Outra justificativa para esse choque de números -divergências nos coeficientes de sazonalidade entre a série nova e a velha- também não resiste a um passar de olhos sobre as duas séries colocadas em um gráfico. Não tenho dúvida de que estão nos vendendo gato por lebre nessa questão do crescimento no primeiro trimestre do ano. Quem quiser olhar os dados com mais detalhes pode me contatar por e-mail.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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