São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Inflação é contagiosa?


Os dados sugerem que a aceleração da inflação tem raízes firmemente fincadas em solo pátrio




EM ARTIGOS anteriores, mostrei que a aceleração da inflação não decorre do aumento dos preços de alimentos, mas sim de um grau crescente de uso dos recursos (capital e trabalho), resultado de uma demanda que cresce a uma velocidade superior à que a produção local pode suprir. Neste artigo, examino outro mito acerca do aumento da inflação: a noção de que este deriva da inflação mundial mais alta. Segundo essa hipótese, a maior inflação mundial teria "contaminado" os preços domésticos, sem nenhuma responsabilidade local. O corolário dessa tese (como curiosamente parece ser sempre o caso) é que o BC não deveria reagir a isso, uma vez que a raiz do processo inflacionário se encontraria em solo estrangeiro.
Proponho duas maneiras de auferir a validade dessa suposição. A maneira mais simples consiste em estimar, a partir dos dados de preços de exportação e importação calculados pela Funcex, qual é a inflação dos bens de consumo importados e exportados pelo Brasil. Sabendo a inflação desses produtos em dólar, basta convertê-la para reais usando para isso a variação da taxa de câmbio contra o dólar.
A maneira mais trabalhosa requer o cálculo da inflação no atacado dos principais parceiros comerciais brasileiros*, cada qual em sua moeda, depois convertida em moeda doméstica pela taxa de câmbio do real contra as moedas desses países/regiões (ver gráfico).
Ambas as medidas revelam que, apesar de a inflação externa ter aumentado, sua contribuição para a inflação brasileira é negativa ou próxima de zero nos últimos 12 meses, precisamente durante o período em que a inflação doméstica (e suas medidas de núcleo) aceleraram cerca de 2 pontos percentuais.
Isso ocorre porque o aumento da inflação internacional foi contrabalançado pelo comportamento do câmbio, resultando numa modesta contribuição no sentido de reduzir a inflação local. E, se é verdade que os preços de alimentos subiram, a contribuição de outros preços foi no sentido oposto, como a inflação de bens duráveis, que ficou em apenas 0,5% nos 12 meses até maio.
Fica, portanto, difícil conciliar a evidência acima com a hipótese de "contaminação" dos preços locais pela inflação internacional. Nem o Brasil pegou inflação da piscina do clube, nem se trata de caso contra o qual nenhuma medida doméstica possa fazer efeito. Pelo contrário, os dados sugerem que a aceleração da inflação tem raízes firmemente fincadas em solo pátrio e que, portanto, tanto taxas de juros como o controle de gastos públicos podem afetá-la.
No entanto, dado que a decisão de manter o superávit primário em 4,3% do PIB (onde se encontra desde janeiro de 2007) não implica contração fiscal adicional, parece claro que, mais uma vez, o fardo de ajuste recairá sobre os ombros do BC.


* Zona do euro, EUA, Argentina, China, Japão, México, Chile, Reino Unido, Coréia do Sul, Canadá, Venezuela, Taiwan e Índia. Esses países representaram 74% do comércio internacional brasileiro em 2007.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe do Banco Santander, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com



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