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ARTIGO
Até aqui (quase) tudo bem
FERNANDO CARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
OS DADOS divulgados
pelo IBGE ontem não
trouxeram surpresas,
o que, nas condições atuais, é
quase uma boa notícia. A economia brasileira manteve o ritmo de crescimento, o consumo
da população continuou a se
expandir, os investimentos
cresceram mais do que a renda,
o comportamento dos gastos
públicos está longe de pintar o
quadro explosivo que críticos
mais liberais tentam vender.
Preocupantes continuam sendo a progressiva degradação
das contas externas e a aparente inação do governo no seu
controle. Por outro lado, é impossível livrar-se da impressão
de que o melhor já passou e que
o futuro será mais medíocre
que o passado imediato.
São realmente auspiciosas,
ainda que não o suficiente para
gerar euforia, as informações a
respeito do investimento. Para
uma taxa de crescimento do
PIB (Produto Interno Bruto)
nos últimos quatro trimestres
de 5,8%, a formação bruta de
capital fixo cresceu 14,9%, quase três vezes mais. A taxa de investimento, isto é, a proporção
do PIB dedicado à acumulação
de capital, porém, permanece
bem abaixo dos 20%, tendo
passado de 17,6% em 2007 para
18,3% no primeiro trimestre de
2008. Com a aparente retomada de ciclo de altas de juros por
parte do Banco Central, é difícil
manter algum otimismo de que
a taxa de investimento continue crescendo o suficiente para
atingir o mínimo desejado de
25% em futuro próximo para
sustentar o crescimento no
médio prazo.
O grande calcanhar-de-aquiles da política econômica continua sendo, certamente, a política cambial, cujos efeitos danosos sobre o setor externo são
cada vez mais visíveis. O déficit
de transações correntes bate
recordes e boa parte das entradas de capitais de que voltamos
a depender para financiá-lo é
ouro de tolos, corda que poderá
acabar por nos enforcar no
crescimento da velha vulnerabilidade externa da qual, por
um infelizmente breve momento, parecíamos ter nos livrado.
A tranqüilidade com que voltamos a nos endividar, embalados pelo canto de sereia do grau
de investimento, remete-nos a
outros momentos semelhantes
em que recorremos à "poupança" externa e que terminaram
em crises cambiais e retrocesso
da economia.
Não é, com certeza, o caso de
pintar o futuro com cores mais
escuras do que o razoável. Como observado, o crescimento
dos investimentos, públicos e
privados, é uma realidade, ainda que muito aquém do necessário para nos colocar numa
trajetória de crescimento econômico mais elevado. A política
fiscal, apesar dos percalços e indecisões, especialmente com o
PAC, mantém um viés expansionista, mais voltada para o investimento público que para a
remuneração de rentistas, como no primeiro governo Lula.
A oferta de financiamentos
do BNDES parece prosseguir a
pleno vapor, dando o apoio ao
investimento industrial que o
mercado de capitais privados,
apesar de sua expansão recente, ainda não é capaz de oferecer. A política de juros manteve-se na contramão em todo o
período, desperdiçando os momentos de relativa tranqüilidade do passado recente em reduções infinitesimais de juros.
Agora que turbulências domésticas e internacionais aconselham cautela (ainda que não o
retorno ao conservadorismo
natural ao BC), já partimos de
taxas de juros excessivamente
altas. Por outro lado, com a
emergência de pressões inflacionárias vindas do exterior,
também pode não ser apropriado começar a desvalorizar o
real, o que certamente aumentaria preços domésticos.
Em suma, a política econômica do governo Lula não aproveitou as chances que tempos
melhores lhe deram para consolidar as possibilidades de expansão da economia brasileira.
O espaço para a reação, no momento, estreitou-se bastante.
Não estamos vivendo uma tragédia, longe disso, não pelo menos na economia. Mas o melhor
da festa pode ter passado.
FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO é professor do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
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