São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2008

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ARTIGO

Até aqui (quase) tudo bem

FERNANDO CARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

OS DADOS divulgados pelo IBGE ontem não trouxeram surpresas, o que, nas condições atuais, é quase uma boa notícia. A economia brasileira manteve o ritmo de crescimento, o consumo da população continuou a se expandir, os investimentos cresceram mais do que a renda, o comportamento dos gastos públicos está longe de pintar o quadro explosivo que críticos mais liberais tentam vender.
Preocupantes continuam sendo a progressiva degradação das contas externas e a aparente inação do governo no seu controle. Por outro lado, é impossível livrar-se da impressão de que o melhor já passou e que o futuro será mais medíocre que o passado imediato.
São realmente auspiciosas, ainda que não o suficiente para gerar euforia, as informações a respeito do investimento. Para uma taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nos últimos quatro trimestres de 5,8%, a formação bruta de capital fixo cresceu 14,9%, quase três vezes mais. A taxa de investimento, isto é, a proporção do PIB dedicado à acumulação de capital, porém, permanece bem abaixo dos 20%, tendo passado de 17,6% em 2007 para 18,3% no primeiro trimestre de 2008. Com a aparente retomada de ciclo de altas de juros por parte do Banco Central, é difícil manter algum otimismo de que a taxa de investimento continue crescendo o suficiente para atingir o mínimo desejado de 25% em futuro próximo para sustentar o crescimento no médio prazo.
O grande calcanhar-de-aquiles da política econômica continua sendo, certamente, a política cambial, cujos efeitos danosos sobre o setor externo são cada vez mais visíveis. O déficit de transações correntes bate recordes e boa parte das entradas de capitais de que voltamos a depender para financiá-lo é ouro de tolos, corda que poderá acabar por nos enforcar no crescimento da velha vulnerabilidade externa da qual, por um infelizmente breve momento, parecíamos ter nos livrado.
A tranqüilidade com que voltamos a nos endividar, embalados pelo canto de sereia do grau de investimento, remete-nos a outros momentos semelhantes em que recorremos à "poupança" externa e que terminaram em crises cambiais e retrocesso da economia.
Não é, com certeza, o caso de pintar o futuro com cores mais escuras do que o razoável. Como observado, o crescimento dos investimentos, públicos e privados, é uma realidade, ainda que muito aquém do necessário para nos colocar numa trajetória de crescimento econômico mais elevado. A política fiscal, apesar dos percalços e indecisões, especialmente com o PAC, mantém um viés expansionista, mais voltada para o investimento público que para a remuneração de rentistas, como no primeiro governo Lula.
A oferta de financiamentos do BNDES parece prosseguir a pleno vapor, dando o apoio ao investimento industrial que o mercado de capitais privados, apesar de sua expansão recente, ainda não é capaz de oferecer. A política de juros manteve-se na contramão em todo o período, desperdiçando os momentos de relativa tranqüilidade do passado recente em reduções infinitesimais de juros.
Agora que turbulências domésticas e internacionais aconselham cautela (ainda que não o retorno ao conservadorismo natural ao BC), já partimos de taxas de juros excessivamente altas. Por outro lado, com a emergência de pressões inflacionárias vindas do exterior, também pode não ser apropriado começar a desvalorizar o real, o que certamente aumentaria preços domésticos.
Em suma, a política econômica do governo Lula não aproveitou as chances que tempos melhores lhe deram para consolidar as possibilidades de expansão da economia brasileira. O espaço para a reação, no momento, estreitou-se bastante. Não estamos vivendo uma tragédia, longe disso, não pelo menos na economia. Mas o melhor da festa pode ter passado.


FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


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