São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A turma do "green card"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A democracia é um excelente sistema político. Mas tem um defeito grave: o povo. Sim, leitor, o povo teimoso e ignorante, que resolve às vezes declarar a intenção de votar em candidatos pouco confiáveis.
É bem verdade que as elites têm lá os seus meios de persuasão e pressão. Podem, por exemplo, despejar dinheiro nas campanhas dos candidatos mais aceitáveis e conceder-lhes generoso espaço na mídia. Ou tentar assustar o eleitor com palavras de ordem do tipo "continuidade ou caos".
Mas o que fazer, Deus do céu, quando nada disso parece funcionar? Nesse caso, uma alternativa é impor o programa e até mesmo a própria equipe econômica do governo aos candidatos que desfrutam da preferência popular. A diretoria do Banco Central (BC), por exemplo. Ou pelo menos o seu presidente, que ultimamente vem dando sinais insistentes de que não deseja, de forma alguma, abandonar o posto.
Contudo a tentativa de forçar a continuação do atual presidente do BC no cargo pode ser mal interpretada. O povo pode entender que estão querendo cassar-lhe o direito de escolher um novo rumo econômico para o país (na sua ignorância patética, o povo não entende que oito anos não são suficientes para alcançar os resultados econômicos favoráveis prometidos nas duas eleições presidenciais anteriores).
Assim, é necessário proceder com alguma sutileza. E lançar mão de eufemismos como "independência" ou "autonomia operacional" do BC. No frigir dos ovos, essa tal independência envolve dar mandatos longos e fixos à diretoria da instituição, que ficaria assim a salvo de eventuais tendências -digamos- pouco construtivas do presidente da República que os brasileiros decidirem eleger.
O que significa hoje dar independência ou autonomia ao BC? Há dez ou 15 anos, muitos eram contrários a essa proposta por acreditar que ela acabaria reforçando a influência dos bancos privados sobre o BC. O controle deste último pelo poder político seria um contrapeso, ainda que frágil, à relação simbiótica, às vezes promíscua, entre a autoridade monetária e o sistema financeiro nacional.
Ah, leitor, bons tempos aqueles! No período FHC, as relações de poder se modificaram. O sistema financeiro foi parcialmente desnacionalizado e aumentou a dependência da economia brasileira.
Antes tínhamos de lidar com a figura simpática e bem-humorada de um Olavo Setúbal, por exemplo. Podíamos apalpá-lo, farejá-lo e até (talvez) pedir-lhe dinheiro emprestado. Agora, não. O poder se deslocou para a órbita impessoal e abstrata do chamado Sistema Financeiro Internacional. De uma maneira geral, os bancos nacionais tornam-se, cada vez mais, sócios menores desse esquema mundial de poder e dinheiro.
Nesse ambiente, estabelecer a independência do BC significaria essencialmente institucionalizar e sacramentar o que já vem ocorrendo no período FHC: colocar a autoridade monetária brasileira na órbita dos interesses financeiros internacionais e submetê-la em definitivo às normas, preferências e preconceitos do eixo Wall Street-Washington.
O povo analfabeto e primitivo não vai gostar da idéia. Mas a verdade é que a atual diretoria do BC, ou a maior parte dela, está talhada para desempenhar essa missão. No próprio governo, ela é conhecida como a turma do "green card", uma alusão aos laços pessoais, profissionais e até afetivos que ligam esses valorosos técnicos aos EUA.
Como prescindir da sua colaboração?


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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