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OPINIÃO ECONÔMICA
A turma do "green card"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A democracia é um excelente sistema político. Mas
tem um defeito grave: o povo.
Sim, leitor, o povo teimoso e ignorante, que resolve às vezes declarar a intenção de votar em candidatos pouco confiáveis.
É bem verdade que as elites têm
lá os seus meios de persuasão e
pressão. Podem, por exemplo,
despejar dinheiro nas campanhas
dos candidatos mais aceitáveis e
conceder-lhes generoso espaço na
mídia. Ou tentar assustar o eleitor com palavras de ordem do tipo "continuidade ou caos".
Mas o que fazer, Deus do céu,
quando nada disso parece funcionar? Nesse caso, uma alternativa
é impor o programa e até mesmo
a própria equipe econômica do
governo aos candidatos que desfrutam da preferência popular. A
diretoria do Banco Central (BC),
por exemplo. Ou pelo menos o seu
presidente, que ultimamente vem
dando sinais insistentes de que
não deseja, de forma alguma,
abandonar o posto.
Contudo a tentativa de forçar a
continuação do atual presidente
do BC no cargo pode ser mal interpretada. O povo pode entender
que estão querendo cassar-lhe o
direito de escolher um novo rumo
econômico para o país (na sua ignorância patética, o povo não entende que oito anos não são suficientes para alcançar os resultados econômicos favoráveis prometidos nas duas eleições presidenciais anteriores).
Assim, é necessário proceder
com alguma sutileza. E lançar
mão de eufemismos como "independência" ou "autonomia operacional" do BC. No frigir dos
ovos, essa tal independência envolve dar mandatos longos e fixos
à diretoria da instituição, que ficaria assim a salvo de eventuais
tendências -digamos- pouco
construtivas do presidente da República que os brasileiros decidirem eleger.
O que significa hoje dar independência ou autonomia ao BC?
Há dez ou 15 anos, muitos eram
contrários a essa proposta por
acreditar que ela acabaria reforçando a influência dos bancos
privados sobre o BC. O controle
deste último pelo poder político
seria um contrapeso, ainda que
frágil, à relação simbiótica, às vezes promíscua, entre a autoridade
monetária e o sistema financeiro
nacional.
Ah, leitor, bons tempos aqueles!
No período FHC, as relações de
poder se modificaram. O sistema
financeiro foi parcialmente desnacionalizado e aumentou a dependência da economia brasileira.
Antes tínhamos de lidar com a
figura simpática e bem-humorada de um Olavo Setúbal, por
exemplo. Podíamos apalpá-lo, farejá-lo e até (talvez) pedir-lhe dinheiro emprestado. Agora, não. O
poder se deslocou para a órbita
impessoal e abstrata do chamado
Sistema Financeiro Internacional. De uma maneira geral, os
bancos nacionais tornam-se, cada vez mais, sócios menores desse
esquema mundial de poder e dinheiro.
Nesse ambiente, estabelecer a
independência do BC significaria
essencialmente institucionalizar e
sacramentar o que já vem ocorrendo no período FHC: colocar a
autoridade monetária brasileira
na órbita dos interesses financeiros internacionais e submetê-la
em definitivo às normas, preferências e preconceitos do eixo
Wall Street-Washington.
O povo analfabeto e primitivo
não vai gostar da idéia. Mas a
verdade é que a atual diretoria do
BC, ou a maior parte dela, está talhada para desempenhar essa
missão. No próprio governo, ela é
conhecida como a turma do
"green card", uma alusão aos laços pessoais, profissionais e até
afetivos que ligam esses valorosos
técnicos aos EUA.
Como prescindir da sua colaboração?
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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