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LUÍS NASSIF
Ciro e a dívida interna
Não tem fundamento técnico a proposta do presidenciável Ciro Gomes de renegociação da dívida interna brasileira.
Ela consiste em oferecer para o
mercado papéis de prazo mais
longo a taxas mais altas.
De certo modo lembra o que
ocorreu nos anos 70 com o prefeito de Belém do Pará, coronel Alacid Nunes. Encantado com a repercussão do plano diretor de
Curitiba, Alacid decidiu implantá-la na íntegra em Belém. Só
quando tentou colocá-lo em prática é que se deu conta do detalhe
de que a topografia de Belém era
diferente da de Curitiba.
Ciro se baseou em propostas
feitas pelo governo argentino para a solução de problemas argentinos, que pouco têm a ver com os
problemas brasileiros.
Na dívida pública, há dois problemas a administrar: o da liquidez da dívida, da capacidade de
rolagem (isto é, de substituir um
título que está vencendo por outro); e o custo da dívida, os juros
que são pagos.
No curralzinho argentino, o
problema é o primeiro, o da rolagem da dívida. O dinheiro está
preso nos bancos, não há como liberar em peso sem provocar uma
brutal emissão inflacionária, aí o
governo argentino pensou em
criar títulos de longo prazo, com
características melhores, para
não ter que desembolsar no curto
prazo.
O problema do Brasil não é esse, da liquidez. Nos piores momentos da história, como na gestão desastrada de Maílson da
Nóbrega no final do governo Sarney, agravada pela mudança de
governo, conseguiu-se rolar a dívida.
O problema brasileiro é o nível
dos juros pagos, que torna a dívida inadministrável no médio
prazo. Qualquer visão de futuro
sobre a dívida pública passa pela
redução dos juros pagos. Qualquer plano racional se basearia
na melhoria dos fundamentos da
economia para conseguir a redução dos juros.
O que Ciro propõe? Chegar para o investidor, no auge dos juros
altos, e propor uma taxa ainda
mais alta para papéis de longo
prazo. Se posta em prática, significaria congelar a taxa de juros
por longo prazo em patamares
elevados. De nada adiantariam
os esforços para melhorar os fundamentos da economia e reduzir
os juros, porque o perfil da dívida
já estará congelado pelos próximos anos, a taxas de juros ainda
mais altas do que as atuais segundo a lógica exposta por Ciro.
Pior, a tendência do mercado
sempre será a de balizar as taxas
de juros do curto prazo pelas taxas do longo prazo. Portanto,
comprometeria também a colocação de papéis novos de curto
prazo.
Seria bom que os candidatos,
em geral, não enveredassem pelo
caminho das fórmulas mágicas
inconsistentes. A complexidade
da economia brasileira exige um
pouco mais de sofisticação e conhecimento.
Caso Espírito Santo
Há uma enorme confusão nessa história da suspensão da intervenção federal no Espírito Santo.
O recuo de Fernando Henrique
Cardoso nada tem a ver com
compactuação com o crime ou
com o fato de o governador José
Ignácio ter pertencido ao PSDB.
Os maiores adversários de José
Ignácio, como Rita Camata e o
prefeito de Vitória, Luiz Paulo
Velloso Lucas, estão de cabeça na
campanha de José Serra.
Além disso, há argumentos
consistentes e legítimos tanto a
favor quanto contra a intervenção. A favor, aparece o combate
ao crime organizado. Mas contra
existe a gravidade de criar um
precedente à autonomia federativa, a paralisação dos trabalhos
do Congresso, sendo que dentro
de poucos meses, se o bom senso
prevalecer, o grupo que domina o
Estado será alijado do governo.
O que o episódio revela é a
enorme falta de planejamento
das ações federais. Um governo
medianamente aparelhado teria
levantado indicações e contra-indicações da medida, pesado
prós e contras antes, evitando as
trombadas que resultaram na
saída de Miguel Reale Junior do
Ministério da Justiça . Aliás, o
próprio Reale deveria ter sido
menos criminalista e mais constitucionalista e ter apresentado as
contra-indicações nas discussões sobre a intervenção.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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