São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

Ciro e a dívida interna

Não tem fundamento técnico a proposta do presidenciável Ciro Gomes de renegociação da dívida interna brasileira. Ela consiste em oferecer para o mercado papéis de prazo mais longo a taxas mais altas.
De certo modo lembra o que ocorreu nos anos 70 com o prefeito de Belém do Pará, coronel Alacid Nunes. Encantado com a repercussão do plano diretor de Curitiba, Alacid decidiu implantá-la na íntegra em Belém. Só quando tentou colocá-lo em prática é que se deu conta do detalhe de que a topografia de Belém era diferente da de Curitiba.
Ciro se baseou em propostas feitas pelo governo argentino para a solução de problemas argentinos, que pouco têm a ver com os problemas brasileiros.
Na dívida pública, há dois problemas a administrar: o da liquidez da dívida, da capacidade de rolagem (isto é, de substituir um título que está vencendo por outro); e o custo da dívida, os juros que são pagos.
No curralzinho argentino, o problema é o primeiro, o da rolagem da dívida. O dinheiro está preso nos bancos, não há como liberar em peso sem provocar uma brutal emissão inflacionária, aí o governo argentino pensou em criar títulos de longo prazo, com características melhores, para não ter que desembolsar no curto prazo.
O problema do Brasil não é esse, da liquidez. Nos piores momentos da história, como na gestão desastrada de Maílson da Nóbrega no final do governo Sarney, agravada pela mudança de governo, conseguiu-se rolar a dívida.
O problema brasileiro é o nível dos juros pagos, que torna a dívida inadministrável no médio prazo. Qualquer visão de futuro sobre a dívida pública passa pela redução dos juros pagos. Qualquer plano racional se basearia na melhoria dos fundamentos da economia para conseguir a redução dos juros.
O que Ciro propõe? Chegar para o investidor, no auge dos juros altos, e propor uma taxa ainda mais alta para papéis de longo prazo. Se posta em prática, significaria congelar a taxa de juros por longo prazo em patamares elevados. De nada adiantariam os esforços para melhorar os fundamentos da economia e reduzir os juros, porque o perfil da dívida já estará congelado pelos próximos anos, a taxas de juros ainda mais altas do que as atuais segundo a lógica exposta por Ciro.
Pior, a tendência do mercado sempre será a de balizar as taxas de juros do curto prazo pelas taxas do longo prazo. Portanto, comprometeria também a colocação de papéis novos de curto prazo.
Seria bom que os candidatos, em geral, não enveredassem pelo caminho das fórmulas mágicas inconsistentes. A complexidade da economia brasileira exige um pouco mais de sofisticação e conhecimento.

Caso Espírito Santo
Há uma enorme confusão nessa história da suspensão da intervenção federal no Espírito Santo. O recuo de Fernando Henrique Cardoso nada tem a ver com compactuação com o crime ou com o fato de o governador José Ignácio ter pertencido ao PSDB. Os maiores adversários de José Ignácio, como Rita Camata e o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Velloso Lucas, estão de cabeça na campanha de José Serra.
Além disso, há argumentos consistentes e legítimos tanto a favor quanto contra a intervenção. A favor, aparece o combate ao crime organizado. Mas contra existe a gravidade de criar um precedente à autonomia federativa, a paralisação dos trabalhos do Congresso, sendo que dentro de poucos meses, se o bom senso prevalecer, o grupo que domina o Estado será alijado do governo.
O que o episódio revela é a enorme falta de planejamento das ações federais. Um governo medianamente aparelhado teria levantado indicações e contra-indicações da medida, pesado prós e contras antes, evitando as trombadas que resultaram na saída de Miguel Reale Junior do Ministério da Justiça . Aliás, o próprio Reale deveria ter sido menos criminalista e mais constitucionalista e ter apresentado as contra-indicações nas discussões sobre a intervenção.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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