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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Saindo do atoleiro
LUCIANO COUTINHO
A opção neoliberal do governo FHC -que associou um
programa de estabilização oportunista (construído sobre uma
combinação nociva de câmbio sobrevalorizado com juro alto) à
implementação imprevidente dos
mandamentos washingtonianos
de privatização, desregulação,
abertura comercial e financeira- deixou o país num atoleiro.
A estabilização, obtida pela imposição prolongada de uma taxa
de câmbio significativamente sobrevalorizada, provocou um
enorme déficit externo financiado pela acumulação de dívidas e
de passivos em moeda forte. Essa
política, por sua vez, exigiu a sustentação de juros reais elevadíssimos, que fizeram explodir a dívida pública interna. O resultado
desastroso foi a vulnerabilização
da economia a choques externos e
a fragilização fiscal-financeira do
Estado. Essa combinação manietou a política macroeconômica à
onerosa obrigação de produzir
superávits fiscais tão altos quanto
o necessário para a reversão do
endividamento. Perdeu-se a capacidade de induzir o crescimento econômico e de criar externalidades positivas pela via do investimento público.
As reformas washingtonianas
foram conduzidas sem reflexão e
sem estratégia. As privatizações
foram feitas às pressas para neutralizar sucessivos choques externos sem a construção prévia de
marcos regulatórios e de suas instituições, privilegiaram o investidor estrangeiro, provocaram desnacionalizações inúteis e indexaram as tarifas dos serviços. A capacidade de coordenação e de comando sobre os investimentos infra-estruturais ficou ainda mais
prejudicada. Disso são exemplos
eloqüentes o setor elétrico e as
concessões ferroviárias. Em outras áreas nada se fez -exemplo:
habitação e saneamento- e o
único caso que pode ser apontado
como bem-sucedido (mas não
imune a críticas) foi o das telecomunicações.
As seqüelas desse quadro de dependência financeira, de desconstrução dos meios e de perda da
autonomia do Estado são duradouras e sua superação é onerosa
e longa. É preciso ter isso em mente antes de julgar o atual governo,
o que não significa absolvê-lo de
suas responsabilidades.
A saída dessa crise estrutural
requer -obrigatoriamente, excuse-se reforçar- a sustentação
de um elevado superávit comercial por vários anos à frente de
modo a robustecer a nossa posição externa com um largo colchão de reservas e inequívoca melhoria dos índices de solvência em
moeda forte. Esses são passos cruciais para a redução perene do
risco Brasil, permitindo uma diminuição significativa e irreversível dos custos de capital das empresas brasileiras. Mas, para tanto, não é suficiente apenas manter a taxa de câmbio em níveis
adequadamente depreciados. A
obtenção de um desempenho exportador acelerado depende de
outras políticas necessárias à
criação de nova capacidade produtiva sob padrões mundiais de
competitividade.
Mas, além da redução dos riscos
regulatórios através da consolidação das agências setoriais e dos
respectivos arcabouços legais, é
indispensável que o sistema financeiro oferte crédito e capitalização a taxas competitivas. Será
um desafio superar a irresistível
atração dos ativos do sistema financeiro para os títulos da dívida
pública, sem risco e com juros
muito elevados. Para isso, simultaneamente à redução gradual
da taxa Selic, é necessário estimular a tomada de posições longas
para suportar novos investimentos privados de alto retorno em
exportação e em infra-estrutura.
Essas operações deveriam receber
tratamento fiscal e compulsório
mais leves: a Comissão de Valores
Mobiliários e o Banco Central deveriam empenhar-se no desenvolvimento do crédito e do mercado
de capitais.
A criação de instrumentos de
funding adequados e suficientes
para viabilizar investimentos intensivos em capital e de longa
maturação -libertando-os dos
estreitos limites do orçamento fiscal- precisa ser efetuada o
quanto antes. As parcerias público-privadas, por exemplo, deveriam ser aprovadas com urgência,
com garantias, solidez jurídica e
liquidez atraente aos investidores. Em certos casos, é necessário
empreender reestruturações patrimoniais e de governança para
facilitar a estruturação de funding de grande escala como reclama, por exemplo, o caso do sistema Eletrobrás.
Políticas de competitividade
por cadeias setoriais são também
indispensáveis. Eficiência microeconômica e competitividade são
objetivos que só poderão ser alcançados mais velozmente através de políticas industriais e tecnológicas específicas e bem enfocadas. O novo estilo de desenvolvimento pressupõe abertura, integração e concorrência globais,
mas requer um esforço simultâneo de construção, cadeia a cadeia, de vantagens competitivas
em produtos comercialmente dinâmicos. A economia brasileira
pode transitar para um regime de
alto crescimento em bases sustentáveis, mas, para chegar lá, é preciso formular, antes, uma estratégia consistente para sair do atoleiro.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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