São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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DOIS MUNDOS

Setores pesquisados tiveram rentabilidade média anual menor que o de aplicação conservadora em nove anos

Fundos DI rendem 18,3%; empresas, 3,6%

ÉRICA FRAGA
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O investidor que fez uma aplicação conservadora no mercado financeiro nos últimos nove anos ganhou, em média, quatro vezes mais do que o empreendedor que se dedicou à atividade produtiva ou ao setor de serviços no Brasil.
O retorno médio anual de 18,3% dos fundos DI, entre 1995 e 2003, superou muito a rentabilidade média de 3,6% das empresas de capital aberto não-financeiras no mesmo período.
Mesmo analisados separadamente, todos os 17 setores pesquisados pela consultoria Economática tiveram retorno médio anual inferior ao dos fundos DI.
O segmento de melhor desempenho no período foi o de veículos e peças -cuja principal empresa é a Embraer-, com rentabilidade sobre o patrimônio líquido de 17,3%. Essa medida significa que, para cada R$ 100 investidos, a empresa teve, em média, ganho anual de R$ 17,3.
Embora considerada elevada, a rentabilidade desse setor ainda perdeu para os ganhos médios (já descontada a alíquota de 20% do IR) de R$ 18,3 para cada R$ 100 aplicados por ano conseguidos pelos investidores pessoas físicas de um fundo DI, segundo dados do site Fortuna.
Pior, no entanto, é a situação de vários outros setores cujos retornos, entre 1995 e 2003, perderam de longe para a aplicação, considerada conservadora por analistas. Em alguns segmentos, como comércio e eletroeletrônicos, os empresários tiveram rentabilidade negativa de, respectivamente, 2,4% e 0,1%.
"Não me surpreende. Em uma economia que há mais de dez anos vive sob um império de taxas de juros altíssimas, essa é a conseqüência lógica", diz Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda.
Analistas dizem que essa distorção de retornos maiores no mercado do que no setor produtivo é conseqüência de aspectos da política macroeconômica praticada nos últimos dez anos.
Com o controle da inflação, a partir de 1994, o governo brasileiro, que, até então, financiava seus altos gastos emitindo moeda, teve de partir para a emissão de dívida pública e para o aumento da carga tributária. Isso tem resultado em duas conseqüências principais:
1) Com sua alta necessidade de financiamento, o governo federal paga juros altos. Para analistas, isso faz com que o retorno de aplicações em títulos públicos supere os ganhos dos investimentos em produção ou serviços;
2) A crescente tributação tem estrangulado o setor produtivo, reduzindo margens de lucros.
Um estudo feito pelos economistas Fernando Veloso, coordenador do mestrado em economia do Ibmec, no Rio de Janeiro, Samuel Pessôa (Fundação Getúlio Vargas) e Victor Gomes (Universidade Católica de Brasília) mostrou que o retorno extra que uma empresa tem ao incrementar um investimento já existente no Brasil -comprando máquinas novas, por exemplo- tem sido de cerca de 15% ao ano.
Esse retorno, chamado de produtividade marginal do capital, é bruto. Segundo Veloso, se descontados a taxa de depreciação do capital e os impostos, pode cair para algo entre 5% e 6% ao ano.
"Sem dúvida essa taxa é muito baixa em relação à rentabilidade de ativos financeiros", diz ele.

Outras causas
O baixo crescimento -em parte, conseqüência dos juros altos- e as crises financeiras dos últimos anos também contribuíram para o retorno relativamente baixo das empresas. Caso se expanda 3,5% neste ano, o Brasil terá uma média acumulada de expansão de 2,2% em dez anos. O número se traduziu em alto nível de desemprego, demanda interna reprimida e pequena oferta de crédito.
Setores dependentes de financiamentos à demanda doméstica, portanto, apresentaram desempenho ruim nos últimos anos. Entre 1995 e 2003, a indústria de construção civil teve rentabilidade média anual de 2,3%.
Outro fator que teve impacto negativo em alguns setores foram as desvalorizações sofridas pelo real em 1999, quando foi abandonado o regime de câmbio fixo, e, principalmente, em 2002, antes das eleições presidenciais.
"A desvalorização da moeda teve impacto negativo em setores como energia elétrica e telecomunicações", afirma Einar Rivero, analista da Economática.


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