São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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"RISCO-MENSALÃO"

Com governo desarticulado no Congresso, proposta de ACM é aprovada e devolve MP à Câmara; Lula pode vetar alta

Senado surpreende e eleva mínimo a R$ 384

CLÁUDIA DIANNI
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crise provocada por denúncias de corrupção e a desarticulação de sua base custaram ontem ao governo sua derrota legislativa com maior impacto potencial sobre a economia -o Senado, em votação surpreendente, aprovou o aumento do salário mínimo para R$ 384,29, o que cria uma despesa adicional calculada em R$ 12 bilhões ao ano.
A derrota ocorreu na votação da MP (medida provisória) que elevou o salário mínimo a R$ 300 em 1º de maio, um reajuste de 7,8% acima da inflação. Uma emenda apresentada pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) fixando ganho real de 38,1% foi aprovada por 30 votos a favor, 27 contrários e 5 abstenções.
A MP voltará agora à Câmara, onde o governo tentará restabelecer o valor do texto original. "Infelizmente essa proposta é inviável. Não há como aprová-la, pois não há previsão no Orçamento", disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). "Mesmo que o governo corte todo o investimento, não daria para absorver esse aumento."
Em caso de nova derrota na Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva -que prometeu na campanha dobrar o poder de compra do mínimo em seu mandato- terá de enfrentar o desgaste público de vetar o aumento. Nessa hipótese, o valor voltaria aos R$ 260 anteriores à MP.
"Vamos ver agora, na Câmara, se o governo vai cumprir sua palavra de dobrar o salário mínimo durante este mandato", disse o senador José Agripino (PFL-RN).
É a segunda vez em que o Senado derruba uma proposta deste governo de reajuste do mínimo. Em 2004, o Senado rejeitou a proposta do governo de elevar o valor para R$ 260. Na ocasião, a casa aprovou uma proposta de reajuste para R$ 275, mas, ao retornar à Câmara, o aumento aprovado foi o proposto pelo governo.
Em junho, o governo sofreu susto com a votação do mínimo na Câmara. Uma trapalhada na condução da sessão levou a Casa a aprovar, por engano, proposta de elevação do mínimo a R$ 536,28. A votação teve de ser refeita.

LDO
Essa não foi a única derrota nos últimos dias capaz de prejudicar a política fiscal. O governo reunirá o que lhe resta de articulação política para tentar alterar o projeto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) aprovado anteontem pela Comissão de Orçamento do Congresso. Com alterações de última hora, o texto trouxe medidas que dificultam o controle de gastos na lei orçamentária de 2006.
Três inovações na LDO incomodam os ministérios da Fazenda e do Planejamento: a proibição ao bloqueio de gastos incluídos por parlamentares no Orçamento; o reajuste salarial de servidores públicos; e a brecha para uma renegociação das dívidas agrícolas.
A missão da área econômica, que coleciona derrotas legislativas (veja quadro ao lado), é vista com pessimismo pelos governistas. O texto da LDO, relatado pelo deputado Gilmar Machado (PT-MG), foi aprovado na comissão sem necessidade de votação nominal porque houve amplo acordo.
Machado não segue a orientação do governo nem da cúpula petista. O deputado faz parte de um grupo de 21 parlamentares autodenominado "PT Livre", que ameaça deixar o partido após a série de denúncias de corrupção.
Quanto ao reajuste dos servidores, o Planejamento começou ontem a calcular o impacto do mecanismo fixado no texto do relator: um aumento mínimo equivalente à variação real (acima da inflação) estimada da renda per capita neste ano, algo em torno de 1,5%.
O projeto do Orçamento de 2006, que precisa ser enviado ao Congresso até o final deste mês, estava sendo elaborado sem previsão de verba para essa medida.
Fazenda e Planejamento enfrentam ainda a pressão da bancada ruralista por uma ampla renegociação das dívidas agrícolas. A Comissão de Orçamento só votou a LDO porque o governo concordou em deixar para 2006 o pagamento de três parcelas mensais do crédito agrícola deste ano.

Bastidores
A derrota do Palácio do Planalto na votação do salário mínimo foi interpretada por governistas e oposicionistas como a união de três fatores: insatisfação da oposição com o que eles chamam de tentativa do PT de jogar PSDB e PFL no escândalo do "mensalão", desarticulação da base governista e o temor de alguns senadores de votar contra um mínimo maior.
Senadores da oposição ouvidos pela Folha disseram que o líder do governo na Casa, Aloizio Mercadante (PT-SP), chegou a pedir ajuda a eles durante a sessão. "Não dava, não havia clima, ninguém mais acredita na promessa deles, eles não têm credibilidade para mais nada", disse um deles.
"Quando ele vinha conversar, a pergunta era ele já havia ido à CPI desautorizar o Pimenta", afirmou o senador, em referência ao deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que vazou uma lista de pessoas ligadas ao PSDB que teriam sido beneficiadas por dinheiro do publicitário Marcos Valério.
A insatisfação da oposição, porém, não seria suficiente para levar o Planalto à derrota na votação do mínimo: 11 senadores da base aliada, sendo 2 petistas, deram votos contrários ao mínimo de R$ 300, além do fato de vários governistas terem se ausentado.


Colaborou Ranier Bragon, da Sucursal de Brasília

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