São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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Nova corrida aos bancos testa velhas salvaguardas

Nova arquitetura financeira depende mais de títulos do que bancos como intermediários

Bancos centrais como o Fed e o BCE foram criados para regular cenários diferentes e têm pouca influência nos mercados de títulos atuais

Tomasz Gzell/Efe
Operador da Bolsa de Varsóvia (Polônia) observa índices em queda dos mercados financeiros


FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

Há algumas gerações, os depositantes respondiam a pânicos financeiros com corridas aos bancos, e até as instituições saudáveis podiam entrar em colapso, caso não fossem capazes de levantar dinheiro com rapidez suficiente para atender aos pedidos de saque.
Esse tipo de situação parecia relegado ao passado. Mas agora as corridas voltaram, e desta vez os alvos não são bancos, mas os títulos financeiros que os substituíram como veículo principal de geração de crédito no novo sistema financeiro.
"Nosso atual sistema de financiamento alavancado, e as estruturas a ele correlatas, podem conter falhas graves", disse William Gross, vice-presidente de investimento da administradora de fundos mútuos Pimco. "Nada no sistema incorpora questões como o hedge ou riscos de liquidez, e é esse o problema do momento".
O problema vem incomodando os EUA a intervalos regulares. O pânico de 1907 só foi contido quando o banqueiro J. P. Morgan convenceu os bancos a se manterem unidos e impedir que continuasse a seqüência de fechamentos, por meio de empréstimos às instituições ameaçadas. O episódio resultou na criação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), já que o Congresso desaprovava a idéia de que a saúde financeira do país tivesse ficado dependente do patrimônio e da sabedoria de um cidadão.
Depois veio a Depressão, com uma onda de falências bancárias que levou ao estabelecimento do sistema federal de garantia a depósitos. Com ele, os correntistas se convenceram de que preocupações quanto à saúde de seus bancos eram desnecessárias, e as corridas aos bancos cessaram.
Mas nos últimos dez anos emergiu uma nova arquitetura financeira, mais dependente dos títulos em si e menos dos bancos como intermediários. Já que o valor dos títulos está agora em questão -e não existe mecanismo equivalente à garantia de depósitos, para eles-, algumas das pessoas que financiaram esses papéis desejam seu dinheiro de volta, o fato que criou o equivalente atual de corrida aos bancos.
Agora, enfrentar a crise cabe a instituições criadas para tratar dos problemas que afligiam o antigo sistema, em especial bancos centrais como o Fed e o Banco Central Europeu (BCE). Mas, em contraste com seu envolvimento estreito no funcionamento do sistema bancário, essas instituições têm baixo poder de fiscalização sobre os títulos que estão enfrentando problemas, e talvez nem mesmo saibam quem os detêm.
No cerne do novo sistema está uma decisão de usar os investidores como financiadores diretos de empréstimos, em lugar de o fazerem por via indireta, através de depósitos bancários. Os investidores, que variam de fundos de hedge a indivíduos com alto patrimônio, tinham confiança no arranjo porque a maioria dos títulos era considerada muito segura e contava com a benção de agências de classificação de crédito como Moody's e Standard & Poor.
Os títulos com classificação de crédito relativamente elevada pagam menos juros, mas até o momento havia muitos investidores que estavam dispostos a mantê-los ou a emprestar dinheiro às instituições que os detêm. No entanto, caso haja qualquer dúvida sobre sua segurança, não existe motivo algum para mantê-los da mesma maneira que não havia motivo para manter dinheiro depositado em um banco que enfrentava boatos sobre sua segurança e uma corrida aos depósitos.
O resultado foi um congelamento do mercado para muitos papéis que, como foi revelado mais tarde, eram essenciais a fim de que o crédito fluísse livremente. O problema começou a receber atenção generalizada quando dois fundos de hedge operados pelo banco Bear Stearns entraram em colapso, e um terceiro fundo da mesma empresa teve de suspender seus resgates enquanto os investidores tentavam sair, ainda que não houvesse indícios de problemas.
"O anúncio quanto ao terceiro fundo da Bear Stearns foi o momento chave", disse Robert Barbera, economista-chefe da ITG. "Era preciso crer que, nos complexos mundos de fundos mútuos e hedge, estava surgindo um consenso quanto à posição de "melhor ter alguns títulos do Tesouro à mão, caso surjam pedidos de resgate" ".
O cerne do novo sistema era a crença de que títulos sustentados por crédito fraco podiam ser muito seguros desde que existissem outros papéis que sofreriam as primeiras perdas causadas pela inadimplência em emissões de títulos de crédito imobiliário de alto risco ("subprime") ou de empréstimos a companhias muito endividadas.
Até o momento, nenhum desses papéis de alto preço deixou de pagar em dia seus juros, mas esse fato não basta para convencer qualquer investidor a adquiri-los. As agências de classificação de crédito rebaixaram alguns dos títulos e estão adotando padrões mais rigorosos em futuras avaliações.
No começo desta semana, investidores em bolsas de todo o mundo tentaram se reconfortar dizendo que nada havia de realmente errado, e os papéis do setor financeiro se recuperaram depois das quedas acentuadas da semana passada. Os analistas argumentavam que os lucros continuam fortes, e o mesmo se aplica ao crescimento econômico mundial.
Na terça-feira, o Fed se recusou a reduzir a taxa de fundos federais, sua taxa de juros de referência, alegando que, a despeito da volatilidade do mercado e da queda no setor da habitação, "a economia provavelmente continuaria a se expandir em ritmo moderado nos próximos trimestres, com o apoio do sólido crescimento no emprego e na renda e uma economia internacional robusta".
Mas essa perspectiva reconfortante não ajudou a recuperar os mercados de crédito ou convenceu investidores a adquirir os papéis, agora vistos como duvidosos. Ninguém deseja vender os títulos a preços baixos demais. E, em muitos casos, as instituições tomaram empréstimos pesados usando-os como lastro. Assim, os mercados secaram.
Um componente que agravou o problema é o fato de que os títulos agora questionáveis estão bem distribuídos pelo mercado e ocasionalmente foram aproveitados como base para outros instrumentos financeiros. Bancos e fundos dos EUA e da Europa detêm títulos vinculados a créditos "subprime", e não se sabe quem mais está nessa posição, ou de que forma os investidores reagirão.
Os bancos que estão preocupados com sua liquidez decidiram nesta semana elevar suas reservas, o que podem fazer por meio de captação junto a outros bancos. Os juros sobre essa captação subiram como resultado da elevação na demanda. E o Fed e o BCE foram forçados a injetar bilhões no sistema para tentar levar essas taxas de empréstimos interbancários de volta à meta.
Se o atual pânico não passar de um medo irracional, essas injeções de dinheiro podem bastar para permitir que o novo sistema financeiro sobreviva à tempestade. É possível emprestar dinheiro às instituições que detenham papéis dúbios, o que contornaria a necessidade de vendê-los. À medida que esses papéis se provarem sólidos, os empréstimos poderão ser pagos, e todos sairão felizes.
Por outro lado, caso muitos desses papéis se provarem tão instáveis quanto muita gente agora acredita, alguns dos compromissos não serão honrados e haverá ainda mais quebras.
O novo sistema financeiro não é aquele que o Fed foi criado para regular, mas ele precisa tentar domá-lo.


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