São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2007

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ARTIGO

Coisas muito assustadoras no mercado

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

EM SETEMBRO de 1998, o colapso do gigantesco fundo hedge Long Term Capital Management levou a uma fusão nos mercados financeiros semelhante, de certa forma, à que está acontecendo hoje. Durante a crise de 1998, eu participei de uma reunião a portas fechadas com um alto funcionário do Fed (BC dos EUA), que explicou a dura situação dos mercados. "O que podemos fazer a respeito?", perguntou um participante.
"Rezar", respondeu ele. Nossas orações foram atendidas. O Fed coordenou um resgate para o LTCM, enquanto Robert Rubin, o secretário do Tesouro na época, e Alan Greenspan, que era o presidente do Fed, tranqüilizavam os investidores de que tudo daria certo. E o pânico cedeu.
Na quarta-feira, o presidente Bush, exibindo seu vocabulário de mestre em administração de empresas, tentou de maneira semelhante tranqüilizar os mercados. Mas Bush está, digamos, um pouco carente de credibilidade. Por outro lado, não está claro que alguém possa fazer o truque: neste momento, sofremos uma séria escassez de salvadores. O que é muito ruim, pois talvez precisemos de um.
O que vem acontecendo nos mercados é algo que realmente assusta os economistas monetários: a liquidez secou. Isto é, os mercados de coisas que normalmente são negociadas o tempo todo -particularmente instrumentos financeiros apoiados em hipotecas imobiliárias- fecharam porque não há compradores. Isso poderá se revelar só um breve susto. No pior dos casos, porém, poderá provocar uma reação em cadeia de inadimplência.
As origens do atual esmagamento estão nas loucuras financeiras dos últimos anos, que foram tão irracionais quanto a bolha da internet. A bolha imobiliária foi apenas uma parte delas; de modo geral, as pessoas começaram a agir como se o risco tivesse desaparecido.
Todos sabem da explosão dos empréstimos de segunda linha "subprime", que permitiram que pessoas sem as qualificações financeiras habituais comprassem casas, e a avidez com que os investidores compraram títulos apoiados nesses empréstimos. Mas os investidores também compraram dívidas corporativas de alto rendimento, conhecidas como "junk bonds", fazendo a margem entre a renda dos "junk bonds" e a dos títulos do Tesouro dos EUA cair a níveis recordes.
Então a realidade apareceu -não de uma vez só, mas em uma série de golpes. Primeiro a bolha da habitação estourou. Depois o "subprime" derreteu.
Na seqüência, houve um surto de nervosismo dos investidores sobre os "junk bonds": dois meses atrás, o rendimento dos títulos corporativos de classificação B era só 2,45% maior que o dos títulos do governo; hoje, a margem é bem superior a 4%.
Os investidores foram abalados recentemente quando a crise do "subprime" causou o colapso de dois fundos hedge operados pelo banco de investimentos Bear Stearns. Desde então, os mercados ficaram maníaco-depressivos, com ganhos ou perdas relevantes no Dow Jones sendo a regra.
Mas o anúncio de quinta do BNP Paribas, um grande banco francês, de que estava suspendendo as operações de três de seus próprios fundos foi a notícia mais assustadora até agora.
A suspensão foi necessária, disse o banco, por causa da "completa evaporação da liquidez em certos segmentos" -isto é, não há compradores.
Quando a liquidez seca, como eu disse, isso pode produzir uma reação em cadeia de moratórias. A instituição financeira A não pode vender seus títulos apoiados em hipotecas e assim não pode levantar dinheiro suficiente para fazer o pagamento que deve à instituição B, que então não tem dinheiro para pagar à instituição C -e os que têm dinheiro ficam sentados sobre ele, porque não confiam em ninguém mais para repagar um empréstimo, o que piora ainda mais a situação.

Assustador
E aqui está a coisa realmente assustadora sobre as crises de liquidez: é muito difícil os formuladores de políticas fazerem algo em relação a elas.
O Fed normalmente reage a problemas econômicos cortando as taxas de juros -e na quinta-feira de manhã os mercados futuros consideravam quase 100% provável que o Fed fizesse um corte de juros antes do fim do próximo mês. Ele também pode emprestar dinheiro para os bancos que estão sem caixa: na quinta e na sexta-feira, o Banco Central Europeu e o Fed emprestaram bilhões, dizendo que forneceriam dinheiro sem limites se necessário.
Mas, quando a liquidez seca, os instrumentos normais de políticas perdem grande parte de sua eficácia. Reduzir o custo do dinheiro não ajuda muito os mutuários se ninguém está disposto a fazer empréstimos. Garantir que os bancos tenham bastante dinheiro não ajuda muito se o dinheiro fica nos cofres dos bancos.
Existem outras coisas mais exóticas que o Fed e, mais importante, o Poder Executivo do governo americano poderiam fazer para conter a crise se as políticas habituais não funcionarem. Mas, por diversos motivos, um deles a histórica incompetência do governo atual, realmente preferimos não entrar nesse tema.
Vamos esperar, então, que essa crise termine tão rapidamente quanto a de 1998. Mas eu não contaria com isso.


PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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