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LUÍS NASSIF
Os bastidores do caso AES
O acordo entre o BNDES
e a AES foi uma obra de
engenharia política e financeira das mais relevantes, com
uma costura de bastidores bastante complexa.
Até o final da gestão Eleazar
de Carvalho, o BNDES teve
mais paciência com a AES,
mesmo porque a diretoria da
época tinha participado da privatização. Houve três prorrogações da dívida, sendo que na
última, em setembro do ano
passado, não se pagaram nem
juros.
Quando o novo governo assumiu, tinha-se uma encrenca
em várias dimensões. A primeira, de ordem financeira. A
AES devia US$ 1,2 bilhão ao
BNDES. Se o banco assumisse a
empresa, apuraria no máximo
US$ 250 milhões pela empresa,
sem condições de o comprador
assumir o saldo devedor.
A segunda encrenca era de
ordem política. A AES é um
grupo influente, estreitamente
ligado com o esquema Bush. O
presidente do conselho é Ricthard Darman, que foi subsecretário do Tesouro no governo
Bush pai e um dos fundadores
do famoso Carlyle Group, fundo de investimento privado
que tem como sócio George
Bush, pai. O grupo fatura US$
9 bilhões em todo o mundo,
US$ 2,5 bilhões dos quais no
Brasil. Investiu US$ 4,6 bilhões
em cash e hoje tem ativos avaliados em US$ 600 milhões
apenas.
O imbróglio ameaçava azedar as relações entre os dois
países, mesmo porque a AES se
sentia injustiçada com os calotes, especialmente da área pública, e com reajustes de tarifas
inferiores aos obtidos por outras empresas similares. Por
seu turno, por meio da embaixadora Donna Hrinak e de um
enviado do governo norte-americano, o grupo tinha tentado pressionar o BNDES,
criando ressentimentos maiores ainda.
Em março, o ministro-chefe
da Casa Civil, José Dirceu, foi
alertado por interlocutores de
que as negociações caminhavam para um impasse, mas
que poderia haver saída negociada desde que se tentasse
contato direto com a direção
da empresa nos Estados Unidos. Dirceu autorizou as tratativas.
Por meio de um ex-executivo
da AES, o interlocutor conseguiu ser recebido pelo presidente da AES, um ex-fuzileiro
naval de nome Paul Hanrahan. No dia 15 de março houve
reunião na sede da empresa,
no 20º andar de um prédio em
Arlington, de onde se tinha
uma vista de Washington. Na
conversa, o emissário foi claro:
ou a AES reestruturava a dívida com o BNDES oferecendo
melhores garantias ou acabariam saindo do Brasil mais cedo ou mais tarde.
Os americanos ficaram chocados quando souberam dos
problemas da filial e do nível
de esgarçamento das relações
com o BNDES. A direção brasileira da empresa havia ocultado os problemas da matriz.
Acataram o conselho e indicaram para negociar Joseph
Brandt, um sujeito considerado grosso, quase intratável nas
negociações, mas pessoalmente
agradável e com uma visão de
mundo muito mais ampla do
que a dos executivos padrão
norte-americanos.
Mark Fitzpatrick, o vice-presidente com jurisdição sobre o
Brasil e que detestava o país,
foi afastado das negociações.
Juntos, Brandt e o interlocutor
brasileiro prepararam a engenharia para as negociações. A
saída proposta foi a companhia agregar seus demais ativos em uma nova empresa. O
BNDES aportaria metade da
dívida em participação acionária e a outra metade será paga em dez anos.
O último impasse superado
foi o fato de a AES Tietê, uma
das empresas do grupo, ter suas
ações dadas em garantia ao
Bank of America, pelo lançamento de bônus. O BNDES exigiu que as ações estivessem liberadas. A AES relutou. Na semana passada, o negociador
brasileiro avisou seu colega
americano que o grupo poderia perder US$ 2 bilhões por
causa de US$ 300 milhões. O
grupo cedeu, apresentou outras garantias e liberou as
ações.
Na segunda-feira o acordo
saiu, e o governo do PT pode
celebrar uma vitória inusitada.
Livrou-se o BNDES de um prejuízo monumental, em uma
negociação que juntou, do lado
brasileiro, a ala mais nacionalista do PT, e, do lado americano, a extrema direita do Partido Republicano.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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