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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Os bastidores do caso AES

O acordo entre o BNDES e a AES foi uma obra de engenharia política e financeira das mais relevantes, com uma costura de bastidores bastante complexa.
Até o final da gestão Eleazar de Carvalho, o BNDES teve mais paciência com a AES, mesmo porque a diretoria da época tinha participado da privatização. Houve três prorrogações da dívida, sendo que na última, em setembro do ano passado, não se pagaram nem juros.
Quando o novo governo assumiu, tinha-se uma encrenca em várias dimensões. A primeira, de ordem financeira. A AES devia US$ 1,2 bilhão ao BNDES. Se o banco assumisse a empresa, apuraria no máximo US$ 250 milhões pela empresa, sem condições de o comprador assumir o saldo devedor.
A segunda encrenca era de ordem política. A AES é um grupo influente, estreitamente ligado com o esquema Bush. O presidente do conselho é Ricthard Darman, que foi subsecretário do Tesouro no governo Bush pai e um dos fundadores do famoso Carlyle Group, fundo de investimento privado que tem como sócio George Bush, pai. O grupo fatura US$ 9 bilhões em todo o mundo, US$ 2,5 bilhões dos quais no Brasil. Investiu US$ 4,6 bilhões em cash e hoje tem ativos avaliados em US$ 600 milhões apenas.
O imbróglio ameaçava azedar as relações entre os dois países, mesmo porque a AES se sentia injustiçada com os calotes, especialmente da área pública, e com reajustes de tarifas inferiores aos obtidos por outras empresas similares. Por seu turno, por meio da embaixadora Donna Hrinak e de um enviado do governo norte-americano, o grupo tinha tentado pressionar o BNDES, criando ressentimentos maiores ainda.
Em março, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi alertado por interlocutores de que as negociações caminhavam para um impasse, mas que poderia haver saída negociada desde que se tentasse contato direto com a direção da empresa nos Estados Unidos. Dirceu autorizou as tratativas.
Por meio de um ex-executivo da AES, o interlocutor conseguiu ser recebido pelo presidente da AES, um ex-fuzileiro naval de nome Paul Hanrahan. No dia 15 de março houve reunião na sede da empresa, no 20º andar de um prédio em Arlington, de onde se tinha uma vista de Washington. Na conversa, o emissário foi claro: ou a AES reestruturava a dívida com o BNDES oferecendo melhores garantias ou acabariam saindo do Brasil mais cedo ou mais tarde.
Os americanos ficaram chocados quando souberam dos problemas da filial e do nível de esgarçamento das relações com o BNDES. A direção brasileira da empresa havia ocultado os problemas da matriz. Acataram o conselho e indicaram para negociar Joseph Brandt, um sujeito considerado grosso, quase intratável nas negociações, mas pessoalmente agradável e com uma visão de mundo muito mais ampla do que a dos executivos padrão norte-americanos.
Mark Fitzpatrick, o vice-presidente com jurisdição sobre o Brasil e que detestava o país, foi afastado das negociações. Juntos, Brandt e o interlocutor brasileiro prepararam a engenharia para as negociações. A saída proposta foi a companhia agregar seus demais ativos em uma nova empresa. O BNDES aportaria metade da dívida em participação acionária e a outra metade será paga em dez anos.
O último impasse superado foi o fato de a AES Tietê, uma das empresas do grupo, ter suas ações dadas em garantia ao Bank of America, pelo lançamento de bônus. O BNDES exigiu que as ações estivessem liberadas. A AES relutou. Na semana passada, o negociador brasileiro avisou seu colega americano que o grupo poderia perder US$ 2 bilhões por causa de US$ 300 milhões. O grupo cedeu, apresentou outras garantias e liberou as ações.
Na segunda-feira o acordo saiu, e o governo do PT pode celebrar uma vitória inusitada. Livrou-se o BNDES de um prejuízo monumental, em uma negociação que juntou, do lado brasileiro, a ala mais nacionalista do PT, e, do lado americano, a extrema direita do Partido Republicano.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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