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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

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Indústria teme ser moeda de troca na reunião

DO ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN

Nem a deslumbrante vista das águas azuis-turquesa do Caribe mexicano consegue evitar que Osvaldo Moreira Douat tenha um pesadelo em Cancún, na reunião da Organização Mundial do Comércio: representante da indústria na delegação brasileira, Douat fica remoendo, uma e outra vez, a hipótese de que, de repente, os Estados Unidos e a União Européia resolvam fazer concessões na negociação agrícola, e o Brasil, em contrapartida, abra seu setor industrial.
Catarinense, Douat é um dos empresários de maior experiência em negociações internacionais, como presidente da Comissão Temática de Integração Internacional da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Neste ano, pela primeira vez, Douat (também membro da Coalizão Empresarial, o grupo que reúne os principais representantes empresariais do Brasil), ganhou o crachá de delegado oficial e pode participar diretamente das sessões que estão sendo realizadas em Cancún.
Nem isso nem o fato de que tem um colega no ministério (Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) faz o homem da CNI dormir com tranquilidade.

Abertura ampla
É verdade que a hipótese de concessões na área agrícola por parte dos países ricos é considerada remotíssima. Mas, se elas vierem, "que ministro brasileiro se recusaria a levar para casa o troféu da abertura agrícola?", indaga Douat.
A moeda de troca só poderia ser a abertura do setor industrial, como demandam os Estados Unidos e a União Européia.
Pior: o documento que está em discussão em Cancún, no quesito "acesso a mercados de bens não-agrícolas", prevê, de fato, uma abertura mais ampla do que o setor produtivo brasileiro está disposto a aceitar.
Uma das duas fórmulas propostas é rejeitada liminarmente pelo governo brasileiro: a que seleciona setores nos quais as tarifas de importação serão levadas a zero em prazo a ser negociado.
O presidente do grupo negociador, o suíço Piérre-Louis Girard, sugere abrir sete setores: eletrônica e produtos elétricos; pescado e produtos derivados; calçados; artigos de couro; autopeças e componentes de veículos; pedras, gemas e metais preciosos; tecidos e vestidos.
Em alguns desses setores, o Brasil é até muito competitivo (calçados e couro, por exemplo). Mas recusa-se a abrir o mercado na área elétrica/eletrônica.
Douat diz que, enquanto houver os gargalos na infra-estrutura e o peso dos juros entre os mais altos do mundo, a competitividade da indústria brasileira fica prejudicada.

Não à igualdade
A segunda hipótese sugerida por Girard é igualmente questionada pelo governo (e, claro, por Douat): uma fórmula igual para países desenvolvidos e em desenvolvimento, para reduzir as tarifas de importação.
A tese brasileira é a de que não pode haver patamares tarifários iguais para países de níveis de desenvolvimento muito diferentes.
Por enquanto, portanto, o pesadelo de Douat parece prematuro. Mas, como ele próprio lembra, Cancún não é o fim do caminho. Logo depois, em novembro deste ano, virá a reunião ministerial da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e, em um ano, o fim, ao menos em tese, da rodada Doha, momentos em que a redução das tarifas industriais estará no centro do jogo -e talvez dos pesadelos de Douat. (CR)


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