São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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Não existe "risco-Lula", diz economista do PT

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A alta do dólar, que ontem bateu nos R$ 4, não pode ser atribuída à disputa eleitoral. "Quando o presidente do BC abandona a sua postura de neutralidade e quer atribuir a crise cambial a riscos políticos [supostamente atribuídos a Lula], ele está de um lado subindo no palanque, o que é péssimo, e de outro tentando escamotear a fragilidade do balanço de pagamentos brasileiro".
Essa é a opinião de Ricardo Carneiro, professor da Unicamp e um dos economistas do PT que participaram do grupo de trabalho que elaborou as propostas de Luiz Inácio Lula da Silva para a economia. Leia a entrevista concedida por Carneiro à Folha.

 

Folha - O dólar bateu a barreira de R$ 4. Isso é "risco Lula"?
Carneiro -
De forma nenhuma. É antes de tudo a acentuação da aversão ao risco em escala global, produzida por fenômenos nos quais o Brasil não chega sequer a ser considerado. Há uma retração dos financiamentos nas principais economias e a fuga de ativos de pior classificação de risco, que tem como pano de fundo o estouro da bolha acionária e o excesso de investimento e endividamento das empresas. Os emergentes foram muito afetados por esse processo de fuga para a qualidade.
Quando o presidente do BC abandona a sua postura de neutralidade e quer atribuir a crise cambial a riscos políticos [referência a Lula], ele está de um lado subindo no palanque, o que é péssimo, e de outro tentando escamotear a fragilidade do balanço de pagamentos brasileiro -produto da era FHC-, que torna o país particularmente vulnerável à contração global do crédito. Nesse "caldo de cultura" a especulação corre solta, mas não é a razão primordial do desequilíbrio.

Folha - Como as pessoas e as empresas são afetadas pelo dólar?
Carneiro -
As empresas endividadas em dólar serão afetadas pela alta das dívidas e da carga de juros. Embora o governo não possa fazer muita coisa quanto às dívidas em dólar dessas empresas, deveria abrir linhas de financiamento em reais para as mesmas.
A outra face do problema é a elevação da inflação, que pode ser temporária se a desvalorização cambial não se sustentar.

Folha - O BC adotou medidas para reduzir a capacidade de os bancos operarem no mercado de câmbio, tem vendido moeda, e o dólar continua subindo. Na sua opinião, a centralização do câmbio seria uma medida de evitar uma crise cambial mais aguda? O PT centralizará o câmbio, se Lula ganhar?
Carneiro -
O PT jamais cogitou da centralização do câmbio. Essa medida não está em nenhuma das versões do programa econômico do partido. O presidente do BC deveria esclarecer o público e dizer em qual esquina ele ouviu referências à centralização e quem as fez. Se ele não esclarecer, fica parecendo que está fazendo campanha eleitoral. O compromisso exposto e reafirmado em vários documentos é com o regime de câmbio flutuante.

Folha - Qual seria a estratégia do BC em um governo petista: deixar o real se desvalorizar, para proteger as reservas, ou queimar reservas para derrubar as cotações?
Carneiro -
Como diz a boa doutrina, num regime de câmbio flutuante os desequilíbrios entre oferta e demanda de divisas são equacionados pela variação do preço, vale dizer da taxa de câmbio. Se a contração da oferta de divisas é circunstancial, o BC pode optar por vender reservas para reduzir a volatilidade. Se a redução é permanente, não há outra alternativa, a não ser deixar ajustar a taxa de câmbio.
Pensando no caso brasileiro, a escolha é entre duas situações igualmente ruins. É menos danoso deixar o câmbio desvalorizar, pois isso pode promover um mudança na inserção externa do país. A perda de reservas fragiliza a posição internacional do país e não resolve nenhum problema.


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