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Cade admite fracasso no combate a cartéis
Para presidente do conselho, medida que permite a infratores fechar acordo para escapar de condenação pode resultar em "subpunições'
Em vigor há menos de três meses, mecanismo acaba estimulando conduta ilegal de empresas no mercado, afirma Elizabeth Farina
JULIANNA SOFIA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A mais nova arma do governo
para combater a atuação de
cartéis é insuficiente para coibir a prática e pode resultar em
uma "subpunição" dos infratores, segundo avaliação da maior
autoridade antitruste do país.
A presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), Elizabeth Farina,
diz que para as empresas pode
compensar formar um cartel,
apurar altos lucros e depois negociar com o governo um acordo em que a pena é o pagamento de uma espécie de multa.
Em entrevista à Folha, Farina disse que 3 dos quase 20 setores sob investigação pelos órgãos de defesa da concorrência
já negociam com o Cade a realização desses acordos, chamados de CCPs (Compromissos
de Cessação de Prática).
Entre os principais investigados, estão gigantes nas áreas
de cimento, frigoríficos, suco
de laranja e gases industriais
(veja quadro na pág. B9). Procurados pela Folha, os setores
não quiseram se manifestar sobre os processos em andamento -o Cade não divulgou o nome de empresas específicas.
A previsão é que nos próximos 60 dias o primeiro dos três
acordos em gestação seja levado ao plenário do Cade para ser
julgado. Se os conselheiros
aceitarem os termos, as empresas acusadas escapam da condenação por prática de cartel,
pagam uma "contribuição pecuniária" e, dependendo do caso, não precisam nem sequer
reconhecer culpa pela infração.
Há menos de três meses, as
empresas ganharam a chance
de propor ao Cade a realização
de acordo para encerrar investigações por cartelização. O
mecanismo está previsto em lei
aprovada pelo Congresso neste
ano e foi regulamentado pelo
Cade no início de setembro.
Pelas novas regras, até o início da sessão de julgamento, os
acusados em processos por
conluio podem propor ao conselho um acordo. Desde 2000,
os CCPs estavam proibidos para esse tipo de conduta.
O valor mínimo da multa nos
acordos é de 1% do faturamento bruto anual da empresa. Mas
não há limite máximo. Farina
explica que a multa deve levar
em conta o tamanho da empresa, a gravidade da situação, o
dano causado ao mercado e o
tempo de duração do cartel.
No acordo, ao escapar da
condenação administrativa, os
acusados ainda podem estar se
livrando de um prejuízo maior,
que são as condenações na esfera cível. Em países europeus
e nos EUA, as indenizações
contra os cartéis são milionárias. "Pode, pode sim [compensar fazer cartel e negociar acordo]. E é só o tempo que vai nos
ensinar a fazer isso direitinho",
diz Farina. "A grande pergunta
é: Será que estou subpunindo
ou superpunindo? A conclusão
é que estamos subpunindo."
Ela afirma, porém, que a intenção da "contribuição pecuniária" é a de que o valor seja
suficiente para servir como fator de inibição do cartel. "Se o
conselho achar que não tem cominação suficiente para fazer
isso, não aceita o acordo. O
conselho é que decide se é
oportuno e conveniente."
No julgamento do cartel do
setor de vigilância do Rio Grande do Sul, as empresas propuseram horas antes da sessão a
realização de um CCP, mas o
conselho desconsiderou a oferta. "Era um caso em que o processo estava totalmente instruído, com todos os pareceres
pela condenação e com provas
robustas. Era praticamente nula a probabilidade de o conselho entender que era conveniente e oportuno o acordo",
diz a presidente do Cade. O cartel foi condenado pelo órgão.
Pelas novas regras, os acordos com cartéis exigem ainda
que as empresas promovam
um programa de ajustamento
de conduta, a ser monitorado
pelo Cade. Nos casos em que o
governo adota o programa de
leniência -um participante do
cartel delata o grupo-, exige-se que os demais integrantes
reconheçam culpa pela prática
na hora de fechar o CCP.
Ponta do lápis
Farina ainda afirma que hoje
os custos para se formar um
cartel aumentaram devido à
possibilidade de condenações
administrativa, penal e cível.
"Mas não sabemos quanto conseguimos dissuadir. Isso a história vai dizer", analisa, citando
estudos acadêmicos internacionais que provam, na ponta
do lápis, que vale a pena para as
empresas praticar cartel.
Além de as multas arbitradas
pelas autoridades antitruste
mundiais serem muito inferiores aos lucros alcançados com o
sobrepreço pelas empresas, esses estudos mostram que o Judiciário ainda posterga a aplicação das decisões dos órgãos de
defesa da concorrência.
A tendência também pode
ser vista no Brasil, onde a maioria absoluta das companhias
punidas pelo Cade recorre à
Justiça e obtém liminares evitando temporariamente o pagamento das multas.
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