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RUBENS RICUPERO
O dia em que o Brasil ficou global
A Abertura dos Portos marcou
o início da mais ampla inserção do país a uma economia
que começava a se globalizar
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PRIMEIRO ato da Independência, a Abertura dos Portos
marcou o início da mais ampla
inserção do Brasil a uma economia
que começava a se globalizar.
Único país com nome de uma
commodity, a terra do pau-brasil foi,
desde o berço, apêndice do mercado
externo: existia para que escravos
produzissem açúcar, ouro, diamantes para o consumo europeu. Os lucros só não eram açambarcados pela
voraz metrópole porque os Brasis,
como se dizia, eram colônia de uma
quase-colônia. Desde o século 18,
Portugal não passava de decadente
dependência da Grã-Bretanha.
A situação principia a mudar com
a chegada de d. João 6º e a assinatura da Carta Régia de 28 de janeiro de
1808, que abria os portos do Brasil às
nações amigas.
A glória pertence à Bahia e não só
porque os ventos para lá levaram a
nau Príncipe Real. Baiano foi o homem que mais influiu na decisão, do
ponto de vista intelectual e de assessoria. José Francisco Lisboa, futuro
Visconde de Cairu, discípulo e tradutor de Adam Smith, titular da primeira cátedra que no mundo se
criou de economia política, era o
mais alto funcionário da Coroa responsável pelo comércio e a agricultura da Bahia.
Foram também baianas as circunstâncias da medida. Salvador encontrava-se com armazéns abarrotados do açúcar da safra, pois os navios tinham sido proibidos de partir
desde a ocupação francesa de Portugal. A Representação dos homens de
negócio, levada ao príncipe pelo governador, Conde da Ponte, é que desencadeou o processo.
Esse foi de celeridade milagrosa
em Corte famosa pelo emperramento: apenas quatro dias entre o
desembarque e a assinatura!
Ao contrário do que se repete, não
foram os ingleses os autores ou inspiradores do decreto, do qual não
gostaram. O que desejavam era um
porto só para eles, de preferência na
ilha de Santa Catarina, a fim de melhor dominar o contrabando para as
colônias espanholas do Prata e do
Pacífico.
Até um livro agradável de popularização da história como o "Império
à Deriva", de Wilcken, comete o engano ao escrever que a abertura já
fora estipulada em acordo secreto
com a Inglaterra. De fato, a convenção de outubro de 1807 continha artigo a respeito. Só que se referia ao porto exclusivo, rejeitado por d.
João ao recusar-se a ratificar o dispositivo.
A Inglaterra do início da Revolução Industrial estava longe de se tornar a campeã do livre comércio, o
que só ocorreu meio século depois,
na globalização da era vitoriana. Sob
o discurso enganador da abertura liberal, os britânicos queriam direitos
preferenciais sem a reciprocidade
de acesso ao mercado inglês, da
mesma forma que hoje os americanos na Alca (Área de Livre Comércio
das Américas).
Foi o que arrancaram de Corte satélite por meio dos tratados desiguais de 1810, que lhes davam tratamento mais favorável do que aos
próprios lusitanos! Fora fugaz, dois
anos apenas, aquele momento de
autonomia, quando o Brasil comerciava com todos em pé igual.
No próximo dia 28, dois meses antes dos 200 anos da abertura, a Federação do Comércio celebra a data
com mostra luso-brasileira e livro
com estudos de destacados historiadores, entre os quais Carlos Guilherme Mota. Com o ex-ministro português Luís Valente de Oliveira, procuraremos explicar, na ocasião, como a Carta Régia é o ponto de partida da modernização e da internacionalização da economia brasileira.
RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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