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AMÉRICA LATINA
Sindicatos, igreja e o movimento indígena criticam a dolarização e querem derrubar o governo
Oposição radicaliza discurso no Equador
RICARDO GRINBAUM
enviado especial a Quito
A aparente calma no centro de
Quito, capital do Equador, esconde o radicalismo político que tomou conta do país desde domingo, quando o presidente Jamil
Mahuad anunciou o plano de dolarizar a economia. Enquanto os
partidos de centro e de direita se
uniam no Congresso em defesa
do governo, a oposição promovia
um encontro na capital para arquitetar a queda do presidente.
Ao som de Mercedes Soza, a
cantora revolucionária da década
de 70 e 80, os representantes de
sindicatos, da igreja, de estudantes e do forte movimento indígena do Equador lotaram um auditório de mais de 500 lugares na
Escola Politécnica de Quito. Depois de uma bênção de um xamã
(sacerdote indígena), os líderes
do movimento que reúnem mais
de 2 milhões de ativistas partiram
para um discurso de guerra.
"Estamos aqui para salvar o
país. Somos contra a dolarização
e vamos derrubar o governo, o
Congresso e a Justiça Federal para
instaurar uma Junta de Governo
Popular", disse Antonio Vargas,
vice-presidente do Parlamento
Nacional dos Povos do Equador.
O clima de assembléia política
dos anos 60, reforçado por faixas
contra o neoliberalismo e a privatização, não revelam a força nem
o caráter desse movimento político. O chamado "Parlamento popular" reúne comunidades indígenas, padres e sindicatos de esquerda, além de vários políticos.
Sem uma ideologia política única, esse parlamento pretende iniciar nesta semana uma série de
movimentos visando parar o país
e destituir o presidente. Sua primeira demonstração de força será
uma greve geral convocada para
quinta-feira. O governo Mahuad
já avisou que vai usar a força.
Essa é apenas uma das frentes
que Jamil Mahuad enfrenta para
continuar no cargo e impedir que
a economia se descontrole de vez.
Enquanto combate o "Parlamento popular" nas ruas, ele tenta ganhar a batalha dentro do Parlamento tradicional, onde está para
ser votado o plano de dolarização.
Por enquanto, o Equador ainda
não assistiu aos tradicionais conflitos de rua, com exceção de alguns protestos isolados em Quito
e uma combativa greve dos motoristas de ônibus em Guayaquil.
Uma pesquisa de um jornal local aponta que a popularidade de
Mahuad cresceu depois do anúncio de dolarização. No Congresso,
o presidente conseguiu o apoio
do Partido Social-Cristão, de direita, para a troca do presidente
do Banco Central, Pablo Better,
que se opôs à dolarização.
"O sistema financeiro apóia a
medida porque algo precisava ser
feito para estancar a desvalorização do sucre e os bancos já vinham pedindo há algum tempo a
dolarização da economia", disse o
porta-voz da Federação dos Bancos do Equador, Mauro Cergino.
Não é à toa que os bancos pediam medidas de mudança econômica. Só nos primeiros dias do
ano, o sucre perdeu 23% de seu
valor diante do dólar. A moeda
norte-americana se valorizou
197% em relação ao sucre no ano
passado. Quem tinha dívidas em
dólar, quebrou. A economia encolheu 7% e 11 dos cerca de 50
bancos fecharam as portas.
Mas o principal desafio que Mahuad tem é convencer os equatorianos que finalmente eles terão
um alívio para a crise. Em um
ano, o desemprego saltou de 10%
para 16% da força de trabalho. A
inflação está em mais de 60%,
com os salários estão congelados.
"Nós não temos emprego e
mesmo para viver de bico está difícil", diz José Perugachi, 33, um
camelô que vende agasalhos na
principal avenida de Quito. "Quero que arranquem esse presidente
do governo porque não está dando mais nem para comprar comida." Perugachi ganha no máximo
30 mil sucres por dia, pouco mais
que o preço de uma lata de azeite
(25 mil sucres). Com a dolarização, perderá sua principal fonte
de renda: vender mercadorias na
Colômbia. "Como vou comprar
em dólar e vender em pesos?"
Se a dolarização vingar, Mahuad diz que a inflação cairá para
10%, os juros irão desabar e o país
voltará a crescer. Essa é mais uma
promessa que os equatorianos
vêem com desconfiança depois de
terem passado por todo tipo de
experiência econômica, como um
confisco no estilo do Plano Collor
e um plano semelhante ao Real.
Seja como for, pelo menos um
grupo já se dá por vencido com as
mudanças na economia. "Para
mim, acabou", diz o cambista
Wilson Tabaré, 24, um dos muitos desempregados do país que
ganha a vida trocando sucres por
dólares. "Com a cotação fixa, de
onde vou tirar meu ganho?"
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