São Paulo, Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2000


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AMÉRICA LATINA
Sindicatos, igreja e o movimento indígena criticam a dolarização e querem derrubar o governo
Oposição radicaliza discurso no Equador

RICARDO GRINBAUM
enviado especial a Quito

A aparente calma no centro de Quito, capital do Equador, esconde o radicalismo político que tomou conta do país desde domingo, quando o presidente Jamil Mahuad anunciou o plano de dolarizar a economia. Enquanto os partidos de centro e de direita se uniam no Congresso em defesa do governo, a oposição promovia um encontro na capital para arquitetar a queda do presidente.
Ao som de Mercedes Soza, a cantora revolucionária da década de 70 e 80, os representantes de sindicatos, da igreja, de estudantes e do forte movimento indígena do Equador lotaram um auditório de mais de 500 lugares na Escola Politécnica de Quito. Depois de uma bênção de um xamã (sacerdote indígena), os líderes do movimento que reúnem mais de 2 milhões de ativistas partiram para um discurso de guerra.
"Estamos aqui para salvar o país. Somos contra a dolarização e vamos derrubar o governo, o Congresso e a Justiça Federal para instaurar uma Junta de Governo Popular", disse Antonio Vargas, vice-presidente do Parlamento Nacional dos Povos do Equador.
O clima de assembléia política dos anos 60, reforçado por faixas contra o neoliberalismo e a privatização, não revelam a força nem o caráter desse movimento político. O chamado "Parlamento popular" reúne comunidades indígenas, padres e sindicatos de esquerda, além de vários políticos.
Sem uma ideologia política única, esse parlamento pretende iniciar nesta semana uma série de movimentos visando parar o país e destituir o presidente. Sua primeira demonstração de força será uma greve geral convocada para quinta-feira. O governo Mahuad já avisou que vai usar a força.
Essa é apenas uma das frentes que Jamil Mahuad enfrenta para continuar no cargo e impedir que a economia se descontrole de vez. Enquanto combate o "Parlamento popular" nas ruas, ele tenta ganhar a batalha dentro do Parlamento tradicional, onde está para ser votado o plano de dolarização.
Por enquanto, o Equador ainda não assistiu aos tradicionais conflitos de rua, com exceção de alguns protestos isolados em Quito e uma combativa greve dos motoristas de ônibus em Guayaquil.
Uma pesquisa de um jornal local aponta que a popularidade de Mahuad cresceu depois do anúncio de dolarização. No Congresso, o presidente conseguiu o apoio do Partido Social-Cristão, de direita, para a troca do presidente do Banco Central, Pablo Better, que se opôs à dolarização.
"O sistema financeiro apóia a medida porque algo precisava ser feito para estancar a desvalorização do sucre e os bancos já vinham pedindo há algum tempo a dolarização da economia", disse o porta-voz da Federação dos Bancos do Equador, Mauro Cergino.
Não é à toa que os bancos pediam medidas de mudança econômica. Só nos primeiros dias do ano, o sucre perdeu 23% de seu valor diante do dólar. A moeda norte-americana se valorizou 197% em relação ao sucre no ano passado. Quem tinha dívidas em dólar, quebrou. A economia encolheu 7% e 11 dos cerca de 50 bancos fecharam as portas.
Mas o principal desafio que Mahuad tem é convencer os equatorianos que finalmente eles terão um alívio para a crise. Em um ano, o desemprego saltou de 10% para 16% da força de trabalho. A inflação está em mais de 60%, com os salários estão congelados.
"Nós não temos emprego e mesmo para viver de bico está difícil", diz José Perugachi, 33, um camelô que vende agasalhos na principal avenida de Quito. "Quero que arranquem esse presidente do governo porque não está dando mais nem para comprar comida." Perugachi ganha no máximo 30 mil sucres por dia, pouco mais que o preço de uma lata de azeite (25 mil sucres). Com a dolarização, perderá sua principal fonte de renda: vender mercadorias na Colômbia. "Como vou comprar em dólar e vender em pesos?"
Se a dolarização vingar, Mahuad diz que a inflação cairá para 10%, os juros irão desabar e o país voltará a crescer. Essa é mais uma promessa que os equatorianos vêem com desconfiança depois de terem passado por todo tipo de experiência econômica, como um confisco no estilo do Plano Collor e um plano semelhante ao Real.
Seja como for, pelo menos um grupo já se dá por vencido com as mudanças na economia. "Para mim, acabou", diz o cambista Wilson Tabaré, 24, um dos muitos desempregados do país que ganha a vida trocando sucres por dólares. "Com a cotação fixa, de onde vou tirar meu ganho?"



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