São Paulo, terça, 12 de janeiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA

A era dos mascates internautas

BENJAMIN STEINBRUCH

Os acontecimentos políticos, bem mais que os fatores econômicos, fazem com que a crise brasileira mude de cor (e, às vezes, de feição) a cada semana. Apesar dos percalços e das variáveis, no entanto, há fatores que se consolidaram e que, em qualquer circunstância, devem ser considerados alicerces para que o Brasil supere os problemas de hoje e volte a caminhar com segurança na direção de seu futuro.
A primeira base é a correção das distorções do Estado, que precisa se materializar pela complementação das reformas em andamento e pela aprovação das medidas incluídas no pacote fiscal que lastreia o acordo que fizemos com o sistema financeiro internacional.
A segunda base é a priorização de medidas destinadas a estimular investimentos e enfrentar o problema do desemprego. Temos, repetidamente, enfatizado a urgência para essa "Cruzada da Produção", que não será viável se o ajuste fiscal não permitir, como anunciada, a rebaixa de juros que, nos patamares de hoje, estão paralisando o Brasil e agravando a crise econômica, a crise política e a crise social.
Enquanto esses fatores não ficam claros, é oportuno lembrar a importância do nosso mercado interno e os avanços feitos pelo comércio, de cuja eficiência depende a nossa indústria, a nossa agricultura e o parque de serviços que viabiliza a nossa economia interna.
Os jornais desta semana traziam notícias curiosas. Uma delas era a nostálgica entrevista de um "caixeiro-viajante", que talvez seja o último de uma profissão que teve a maior importância no comércio de antigamente. Outra notícia dizia que, em 1998, 21,8 milhões de cartões de crédito movimentaram o equivalente a US$ 31,8 bilhões no mercado interno, com os usuários gastando individualmente mais de US$ 1.502 para cobrir despesas originadas principalmente no comércio e nos serviços domésticos. Outro recorte informava que o Brasil já dispõe de 447 shopping centers, cujas vendas subiram em 1998 pelo menos 5%, superando US$ 33 bilhões, em um crescimento que, em 1999, apesar da crise, deve levar o setor a passar dos US$ 35 bilhões.
Estamos longe da era dos mascates, dos empórios, das vendinhas, das quitandas, dos armazéns. O comércio nobre, como era o da rua Augusta, em São Paulo, e o da rua do Ouvidor, no Rio, perdeu o encanto e suas lojas mais fortes mudaram-se para os shoppings. As mudanças atingiram também as megalojas e os magazines que brilharam na década de 50 e hoje ou sumiram do mapa ou se transformaram em "âncoras" das novas catedrais de vendas.
Em paralelo avançou o conceito do auto-serviço que inseriu o Brasil, há pouco mais de 40 anos, na era dos supermercados. Eles são hoje 48 mil lojas e, segundo a Abras, venderam mais de R$ 52 bilhões no ano passado, o que representa mais de 6% do nosso Produto Interno Bruto. Os hipermercados vieram a seguir, trazidos por Peri Igel, que, em 1975, inaugurou o Ultracenter na marginal Pinheiros, que depois veio a se tornar a primeira loja do Carrefour no Brasil.
O crescimento dos shopping centers e dos hipermercados tem-se apoiado, em grande parte, no encolhimento do comercio de rua, repetindo aqui uma tendência mundial. Esses megacenters do varejo têm se preocupado em reduzir os custos de distribuição, aumentando a eficiência das vendas. De outra parte, se esforçam para ampliar a comodidade e a segurança dos compradores, procurando, por todos os meios, reforçar os conceitos do "prazer da compra" e do "encantamento do ambiente". É a modernização das alegrias, do "footing" dos compradores de antigamente, que se deliciavam em sair de casa somente para "ver vitrines".
Hoje a importância (e a variedade) dessas opções de sedução do varejo cresce apoiada, inclusive, nos verdadeiros centros de serviço que funcionam dentro ou no entorno das grandes estruturas do varejo, onde se encontram agências de correios, cabeleireiros, chaveiros, sapateiros, lavanderias, caixas eletrônicos, engraxates, bancas de jornais, creches, lojas de fax e xerox, revelação de filmes, casas lotéricas e até postos do INSS e da Polícia Federal.
"Quem só coloca o produto na prateleira não vai sobreviver", afirma Barbara Ashley, uma especialista americana em shopping centers, que acrescenta: "O comprador tem que encontrar alguma coisa inesperada, uma experiência divertida que transforme sua passagem por dentro da loja".
Os especialistas concordaram que a globalização das informações, principalmente pela televisão, está sofisticando os clientes de todas as classes sociais e ampliando os espaços para a modernização do varejo. Os mesmos especialistas lembram que essa modernização não é privilégio dos shopping centers, setor em que estamos longe do ponto de saturação. É que o Canadá tem dez vezes mais shopping centers que o Brasil. E os Estados Unidos, cem vezes mais ...
Os grandes avançam. E os pequenos? Já sabemos que as micro e pequenas empresas representam 97% do total das empresas brasileiras, respondem por 30% do PIB e absorvem 57% das pessoas empregadas no mercado formal. Parte importante dessas empresas atua no varejo. No comercio paulista, por exemplo, 70% dos seus 600 mil estabelecimentos são micro e pequenas empresas, que respondem por mais de 60% do total de 1,2 milhão de empregos do setor. Essas pequenas lojas precisam ser estimuladas a ajustes que lhes mantenham os espaços, como ocorre, no exterior, com as lojas de vizinhança, as lojas temáticas destinadas a um público segmentado, as lojas "pessoais", em que se mantém alto o conceito de "freguesia", e a relação cliente/vendedor.
A revolução já é grande. A chegada dos grandes nomes internacionais está acelerando o processo, ampliando a eficácia das estruturas de venda. A indústria e a agricultura agradecem. E esperam que o custo de cada transação continue baixando, para estimular vendas baseadas na eficiência. Enquanto não chega a outra revolução, que vai ser maior ainda com o crescimento do comércio eletrônico, que ensaia os seus primeiros passos na era da Internet.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional, da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br




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