|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
A era dos mascates internautas
BENJAMIN STEINBRUCH
Os acontecimentos políticos,
bem mais que os fatores econômicos, fazem com que a crise
brasileira mude de cor (e, às vezes, de feição) a cada semana.
Apesar dos percalços e das variáveis, no entanto, há fatores
que se consolidaram e que, em
qualquer circunstância, devem
ser considerados alicerces para
que o Brasil supere os problemas
de hoje e volte a caminhar com
segurança na direção de seu futuro.
A primeira base é a correção
das distorções do Estado, que
precisa se materializar pela
complementação das reformas
em andamento e pela aprovação das medidas incluídas no
pacote fiscal que lastreia o acordo que fizemos com o sistema financeiro internacional.
A segunda base é a priorização
de medidas destinadas a estimular investimentos e enfrentar
o problema do desemprego. Temos, repetidamente, enfatizado
a urgência para essa "Cruzada
da Produção", que não será viável se o ajuste fiscal não permitir, como anunciada, a rebaixa
de juros que, nos patamares de
hoje, estão paralisando o Brasil
e agravando a crise econômica,
a crise política e a crise social.
Enquanto esses fatores não ficam claros, é oportuno lembrar
a importância do nosso mercado interno e os avanços feitos
pelo comércio, de cuja eficiência
depende a nossa indústria, a
nossa agricultura e o parque de
serviços que viabiliza a nossa
economia interna.
Os jornais desta semana traziam notícias curiosas. Uma delas era a nostálgica entrevista de
um "caixeiro-viajante", que talvez seja o último de uma profissão que teve a maior importância no comércio de antigamente.
Outra notícia dizia que, em
1998, 21,8 milhões de cartões de
crédito movimentaram o equivalente a US$ 31,8 bilhões no
mercado interno, com os usuários gastando individualmente
mais de US$ 1.502 para cobrir
despesas originadas principalmente no comércio e nos serviços domésticos. Outro recorte
informava que o Brasil já dispõe
de 447 shopping centers, cujas
vendas subiram em 1998 pelo
menos 5%, superando US$ 33
bilhões, em um crescimento que,
em 1999, apesar da crise, deve levar o setor a passar dos US$ 35
bilhões.
Estamos longe da era dos mascates, dos empórios, das vendinhas, das quitandas, dos armazéns. O comércio nobre, como
era o da rua Augusta, em São
Paulo, e o da rua do Ouvidor, no
Rio, perdeu o encanto e suas lojas mais fortes mudaram-se para os shoppings. As mudanças
atingiram também as megalojas
e os magazines que brilharam
na década de 50 e hoje ou sumiram do mapa ou se transformaram em "âncoras" das novas catedrais de vendas.
Em paralelo avançou o conceito do auto-serviço que inseriu o
Brasil, há pouco mais de 40
anos, na era dos supermercados.
Eles são hoje 48 mil lojas e, segundo a Abras, venderam mais
de R$ 52 bilhões no ano passado,
o que representa mais de 6% do
nosso Produto Interno Bruto. Os
hipermercados vieram a seguir,
trazidos por Peri Igel, que, em
1975, inaugurou o Ultracenter
na marginal Pinheiros, que depois veio a se tornar a primeira
loja do Carrefour no Brasil.
O crescimento dos shopping
centers e dos hipermercados
tem-se apoiado, em grande parte, no encolhimento do comercio
de rua, repetindo aqui uma tendência mundial. Esses megacenters do varejo têm se preocupado em reduzir os custos de distribuição, aumentando a eficiência das vendas. De outra
parte, se esforçam para ampliar
a comodidade e a segurança dos
compradores, procurando, por
todos os meios, reforçar os conceitos do "prazer da compra" e
do "encantamento do ambiente". É a modernização das alegrias, do "footing" dos compradores de antigamente, que se deliciavam em sair de casa somente para "ver vitrines".
Hoje a importância (e a variedade) dessas opções de sedução
do varejo cresce apoiada, inclusive, nos verdadeiros centros de
serviço que funcionam dentro
ou no entorno das grandes estruturas do varejo, onde se encontram agências de correios,
cabeleireiros, chaveiros, sapateiros, lavanderias, caixas eletrônicos, engraxates, bancas de
jornais, creches, lojas de fax e
xerox, revelação de filmes, casas
lotéricas e até postos do INSS e
da Polícia Federal.
"Quem só coloca o produto na
prateleira não vai sobreviver",
afirma Barbara Ashley, uma especialista americana em shopping centers, que acrescenta: "O
comprador tem que encontrar
alguma coisa inesperada, uma
experiência divertida que transforme sua passagem por dentro
da loja".
Os especialistas concordaram
que a globalização das informações, principalmente pela televisão, está sofisticando os clientes
de todas as classes sociais e ampliando os espaços para a modernização do varejo. Os mesmos especialistas lembram que
essa modernização não é privilégio dos shopping centers, setor
em que estamos longe do ponto
de saturação. É que o Canadá
tem dez vezes mais shopping
centers que o Brasil. E os Estados Unidos, cem vezes mais ...
Os grandes avançam. E os pequenos? Já sabemos que as micro e pequenas empresas representam 97% do total das empresas brasileiras, respondem por
30% do PIB e absorvem 57% das
pessoas empregadas no mercado formal. Parte importante
dessas empresas atua no varejo.
No comercio paulista, por exemplo, 70% dos seus 600 mil estabelecimentos são micro e pequenas empresas, que respondem
por mais de 60% do total de 1,2
milhão de empregos do setor.
Essas pequenas lojas precisam
ser estimuladas a ajustes que
lhes mantenham os espaços, como ocorre, no exterior, com as
lojas de vizinhança, as lojas temáticas destinadas a um público segmentado, as lojas "pessoais", em que se mantém alto o
conceito de "freguesia", e a relação cliente/vendedor.
A revolução já é grande. A chegada dos grandes nomes internacionais está acelerando o processo, ampliando a eficácia das
estruturas de venda. A indústria
e a agricultura agradecem. E esperam que o custo de cada transação continue baixando, para
estimular vendas baseadas na
eficiência. Enquanto não chega
a outra revolução, que vai ser
maior ainda com o crescimento
do comércio eletrônico, que ensaia os seus primeiros passos na
era da Internet.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional,
da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|