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São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Inserção externa, uma questão em aberto

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Desde quando a abertura comercial começou a ser seriamente considerada neste país (primeira metade dos anos 1980), teve início uma discussão acerca da futura especialização da economia brasileira. A discussão, no entanto, pouco avançou. Recentemente as exportações parecem dar sinais de haver deslanchado -mas continua indefinida a questão da especialização.
Contrariamente ao Brasil, o Chile e o México redefiniram a inserção externa de suas economias, de forma altamente especializada. O México chamou a si atividades altamente empregadoras de mão-de-obra, enquanto o Chile reforçou e renovou sua especialização em atividades baseadas no intenso uso de recursos naturais. Aliás, segundo diferentes estudos publicados pela Cepal, a América Latina em geral tendeu, igualmente, a especializar-se nas últimas décadas. Se assim for, o Brasil, ao confirmar sua estrutura econômica altamente diversificada, tornou-se uma exceção.
Será esse mais um aspecto problemático desta economia?
A resposta parece ser: depende do que entendemos por especialização ou modalidade de inserção externa.
Se entendemos por especialização o predomínio -especialmente no que toca às exportações- de tais e quais atividades, caracterizadas pelo uso intenso de determinados fatores (mão-de-obra, recursos naturais, ou capital), estamos falando do velho conceito ricardiano: têxteis na Inglaterra, vinhos em Portugal.
Desde um estudo clássico de Leontieff ("Studies in the Structure of the American Economy", 1953) se sabe, no entanto, que os países ricos não necessariamente se especializam ricardianamente. Seu comércio externo é determinado (cada vez mais, ao que tudo indica) por "habilidades e conhecimentos". Nessas condições, e como mostrou Porter em 1990, a especialização contemporânea entre as nações industrializadas é por produtos -e não por grandes setores ou pela intensidade no uso de fatores.
Cabe insistir em que a especialização por produtos, característica das trocas entre desenvolvidos, reflete, em grande medida, a posse ou domínio de conhecimentos (científicos, práticos, não-codificados etc.) e habilidades, como intuíra Leontieff. Resta acrescentar que esses conhecimentos estão incessantemente evoluindo -por esforço das empresas e com o apoio dos chamados Sistemas Nacionais de Inovação. Logra-se com isso erguer uma proteção móvel e relativamente leve, para as vantagens auferidas por esse tipo de especialização.
Retornando ao Brasil, parece-me possível afirmar que o baixo grau de especialização setorial (ou ricardiana) pode ser considerado uma vantagem. Falta, no entanto, ir fundo na diferenciação dos produtos. Ou, como ouvi dizer recentemente numa discussão no IPT, na construção da identidade própria dos produtos. Por isso estou convencido de que as políticas de apoio à inovação devem assumir um lugar de grande destaque neste país, convicção seguramente compartilhada por aqueles que lograram renovar, nos últimos três anos, os instrumentos e fontes de recursos disponíveis para esse gênero de políticas.
Definitivamente nossos problemas no tocante à inserção internacional não decorrem da frustração das expectativas ricardianas da maioria daqueles que defenderam, pioneiramente, a abertura desta economia. E essa percepção deveria estar muito presente na formulação da estratégia brasileira diante do complexo desafio colocado pela hipótese Alca.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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