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LUÍS NASSIF
Questão de estatura
Se de fato sair o resultado do
novo padrão de TV digital
amanhã, será a desmoralização
do papel do governo. Por isso, é
possível que o governo Lula pense três vezes antes de se curvar a
imposições políticas.
Pela primeira vez, em muitos
anos, o sistema de escolha parecia ter obedecido a um ritual sério. Primeiro, o ex-ministro das
Comunicações Miro Teixeira encomendou a duas dezenas de
institutos de pesquisa brasileiros
o desenvolvimento de um padrão nacional. O trabalho foi
fundamental para formar competências e agregar conhecimento ao sistema científico e tecnológico brasileiro, inclusive para poder fundamentar melhor a escolha do padrão. Depois, encomendou-se um estudo ao CPqD (o
antigo centro de pesquisas da
Telebrás).
O discurso desenvolvido, desde
o começo, apontava para um
conjunto de prioridades que teriam de ser analisadas em conjunto. A esse conjunto, os especialistas batizaram de "modelo
de negócio". Ou seja, o que se
quer fazer com a TV digital? Discussão sobre padrões é sopa de
letrinhas. Todos os padrões que
se candidataram -o japonês, o
europeu e o americano- têm
suas vantagens e desvantagens
entre si, mas são consistentes,
funcionam.
O ministro Hélio Costa faz
lobby do padrão japonês, apresentando algumas de suas vantagens. Poderia fazer o mesmo
com os padrões europeu e americano. Bastaria selecionar os pontos fortes do sistema e deixar de
lado os pontos fracos.
A questão central é que, para
fugir de um tema político, apelou-se para uma discussão falsamente técnica ou a falsos conflitos entre emissoras e operadoras
de celular.
Qualquer política de disseminação da TV móvel digital exigirá a participação das companhias de celulares, seja no subsídio ao aparelho, seja na exploração dos serviços sob demanda. A
TV aberta é broadcasting, seu sinal é aberto, vai para todos os telespectadores indistintamente.
Qualquer que seja o padrão adotado, o resultado final será um
acordo entre emissoras e operadoras de celular, cada qual com
sua função. A própria associação
das operadoras, Acel, aliás, já colocou claramente que elas não
pretendem ganhar em cima do
sinal aberto, mas da venda sob
demanda e do canal de retorno
(o uso do celular para atender à
interatividade).
Portanto essa é uma falsa
questão, que acaba por jogar para segundo plano os três pontos
que interessam: a política industrial (o Brasil como plataforma
exportadora), a política tecnológica (o Brasil como produtor de
tecnologia associada) e a inclusão digital.
Em relação às exportações, os
japoneses sustentam que podem
ser fabricados televisores no Brasil para qualquer padrão, já que
a única diferença seria um chip.
Especialistas afirmam que essa
integração só funciona na teoria.
Na prática, tirará completamente os ganhos de escala, já que, diferentemente dos microcomputadores, TV digital perde performance e preço quando montada
com componentes diversos.
Em relação à questão tecnológica, centrou-se nessa promessa
de investir em fábrica de chips, o
chamado "foundry". Faria sentido se fosse uma fábrica que fornecesse para vários ramos da indústria. E isso exigiria um planejamento de política industrial
que inexiste até o momento.
Mais que isso. No governo Fernando Henrique Cardoso, ocorreu discussão sobre a relevância
ou não de haver uma fábrica de
chips no Brasil -um pouco rescaldo do trauma de ter perdido
um investimento da Intel para a
Costa Rica. Chip é commodity.
Cada vez mais, o valor agregado
está na arquitetura do sistema
-na inteligência que se coloca
no chip. Como lembra o especialista Gustavo Giandre, o desenvolvimento de uma indústria de
microeletrônica não passa pela
fabricação de chips, mas por investimento em pesquisa e desenvolvimento nas universidades e
em pequenas empresas criativas.
Israel e Irlanda se tornaram potências da microeletrônica investindo maciçamente em "design
houses".
A definição da TV digital é a
primeira grande chance do governo Lula para criar uma política industrial e tecnológica de
fato. Não há justificativa legítima para tomar a decisão no
atual estágio de discussão.
Se Lula tivesse seu Sérgio Motta, receberia um bilhete com o
mesmo teor do que foi para FHC:
"Não se apequene, presidente".
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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