São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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DINHEIRO

Ministros do chamado G6 não conseguem em reunião em Londres destravar a Rodada Doha de Desenvolvimento

Fracassa acordo entre os grandes da OMC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Ministros de seis das principais potências comerciais do planeta passaram todo o frio sábado londrino trancados em reunião sem, no entanto, conseguir "o clique", como diria ao anoitecer o chanceler brasileiro Celso Amorim.
É a maneira elegante de dizer que a Rodada Doha de Desenvolvimento, lançada na capital do Qatar em 2001, continua emperrada quatro anos depois e mesmo após ter passado o prazo originalmente definido para o seu encerramento (dezembro de 2005).
O ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, também disse que o "clique" ficou longe, ao afirmar que a reunião foi "útil, mas necessitamos mais compreensão das sensibilidades e possibilidades de cada parte".
Nath, como sempre o faz nessas ocasiões, fez questão de enfatizar que a Rodada Doha trata de desenvolvimento, não apenas de comércio. "A Índia tem 300 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia. Precisamos de uma rodada que, pelo menos, eleve sua renda para US$ 2 ao dia", afirmou o ministro, referindo-se à medida de pobreza geralmente usada pelo Banco Mundial.
Amorim e Nath, únicos representantes de países em desenvolvimento, foram os mais enfáticos em reconhecer que a enésima reunião do que passou a ser chamado de G6 não produziu resultados. O G6 é formado também por Estados Unidos, União Européia, Japão e Austrália.

Simulações
A rigor, a única novidade da reunião de Londres (que se segue a outro encontro similar, há apenas mês e meio, em Davos, na Suíça) foi o fato de que os ministros puderam examinar as simulações produzidas em Genebra, o QG da Organização Mundial do Comércio, sobre os resultados dos cortes de tarifas de importação tanto em bens industriais como em agricultura.
Não que sejam números novos. Roberto Azevedo, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty e supervisor geral das negociações comerciais, diz que cada país já tinha suas próprias simulações. O que se fez agora foi juntar todas num só pacote, uniformizando os números.
Robert Portman, o chefe do comércio exterior norte-americano, chegou a dizer que as simulações permitiram que todos vissem "o bom, o mau e o feio" [dos resultados da liberalização].

Parte feia
A Folha quis saber qual era a parte "feia" na visão dos Estados Unidos, que, como maior potência do planeta, desempenha óbvio papel decisivo em qualquer negociação comercial ou diplomática.
Portman preferiu responder com a dificuldade que já é sabida desde o início da negociação: "Fica claro que será preciso tomar decisões políticas árduas. Agricultura é sempre um tema sensível. Cortar tarifas agrícolas (o que EUA e Brasil pedem da União Européia) é árduo. Cortar o apoio doméstico (o que o Brasil e o G20 pedem dos Estados Unidos) é árduo. Cortar tarifas industriais é complexo", respondeu.
Essas dificuldades, que são muito reais, explicam porque a Rodada Doha patina desde o lançamento, a ponto de o ministro Amorim ter deixado claro que não acredita que seja possível cumprir o prazo de 30 de abril, definido na Conferência Ministerial de Hong Kong para estabelecer o que o jargão comercial chama de modalidades.
Ou seja, definir os contornos e os principais números da negociação.

Novo prazo
Já se fala abertamente de redefinir o prazo, enquanto o Brasil insiste na necessidade de uma reunião de cúpula para dar o impulso político de que carecem os negociadores. Ou o "clique" que também ontem não foi obtido, apesar de os ministros terem reiniciado a reunião após uma entrevista coletiva conjunta, com previsão de que varasse a noite.
Na coletiva, tiveram que passar pelo constrangimento de ouvir, na pergunta de um jornalista britânico, a reprodução da frase do roqueiro Bob Geldorf segundo quem uma reunião sem representantes africanos é "uma vergonha".
Peter Mandelson, comissário europeu para o Comércio e anfitrião do encontro, respondeu que a reunião do G6 era apenas uma tentativa de encurtar distâncias para submeter o eventual encurtamento ao conjunto de 150 países da OMC, em que vale o princípio de "um país, um voto".
Amorim aproveitou para dizer que, na próxima oportunidade, um país que representasse a África deveria, sim, ser chamado ao pequeno grupo.


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