São Paulo, quinta, 12 de março de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
O reverendo FHC e o desemprego

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A vida jornalística é marcada pelos mais lamentáveis equívocos. E não é de hoje. Em uma de suas crônicas de jornal, Machado de Assis contou um episódio grotesco.
Certa vez, uma folha de Nova York embaralhou as notícias sobre a prédica de um reverendo e a investida de um touro. Saiu o seguinte: "O reverendo Simpson falou piedosamente dos deveres do cristão e das boas práticas a que está sujeito o pai de família; o auditório ouvia comovido as palavras do reverendo Simpson, o qual, investindo de repente contra todos, varreu a rua, derrubou mulheres e crianças, lançou enfim o terror em todo o bairro, até ser fortemente agarrado e reconduzido ao matadouro".
Lembrei-me da crônica do velho Machado a propósito da notável incongruência das manifestações recentes do governo sobre o desemprego. Na semana passada, mais precisamente na quarta-feira, a Folha publicou trechos de um sermão confortador do presidente da República sobre o tema. FHC disse que, em qualquer lugar do mundo, as taxas brasileiras de desemprego seriam consideradas indicativas de "pleno emprego". "A sensação do desemprego é maior do que o próprio desemprego", garantiu o presidente.
Num primeiro momento, julguei que se tratava de mais um lamentável equívoco de reportagem ou de edição. Fiquei aguardando uma errata ou um desmentido.
Nada disso. Ironicamente, o que apareceu, e já no dia seguinte, foi o resultado da pesquisa mensal de emprego do IBGE para janeiro. Nas principais regiões metropolitanas do país, a taxa média de desemprego aberto pulou de 4,8% em dezembro para 7,3% em janeiro, a maior taxa observada no mês de janeiro desde 1985 e a nona maior em toda a série histórica da pesquisa. Numa medida mais ampla, que inclui ocupados sem rendimento e com rendimento menor do que um salário mínimo, a taxa passou de 12% para 15% da população ativa, segundo o IBGE.
Houve aumento da taxa de desemprego aberto em cada uma das seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo instituto (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). O desemprego também aumentou, e de modo significativo, em todos os setores de atividade. Na indústria de transformação, de 5,8% em dezembro para 8,8% em janeiro; na construção civil, de 5,6% para 7,9%; no comércio, de 5,2% para 7,5%; nos serviços, de 3,7% para 5,6%; em outras atividades, de 1,9% para 2,6%.
Instalou-se imediatamente um certo pânico dentro do governo. O presidente desandou a convocar reuniões e a mobilizar ministros e assessores. O problema do desemprego, antes considerado inexistente ou pouco relevante, parece ter adquirido uma súbita urgência e prioridade.
Para um espectador do teatro governamental, a situação não deixa de ter o seu lado divertido. Anteontem, menos de uma semana depois de ter declarado que estamos com taxas de "pleno emprego", FHC resolveu aproveitar o seu sermão radiofônico semanal para anunciar que vai declarar "guerra ao desemprego". O palco dessa guerra seria a reunião ministerial desta sexta-feira.
Mas o ânimo belicoso do presidente não durou muito. Na mesma tarde, o seu porta-voz esclarecia que o governo não pretende anunciar amanhã ações ou projetos novos, mas apenas avaliar "se o que existe está bem ou não, se precisa ser corrigido ou aperfeiçoado".
Bem. Para fazer tal avaliação, não era nem necessário incomodar os ministros numa sexta-feira. Bastaria consultar os dados do IBGE, da Fiesp, da CNI ou do Dieese, que foram objeto de ampla divulgação e comentário nos últimos dias.
Evidentemente, toda essa movimentação governamental não passa de uma encenação. A razão fundamental do aumento do desemprego é a desaceleração do nível de atividade da economia, provocada pela desestabilização das contas externas.
Em 1998, o presidente tem uma preocupação fundamental: não colocar em risco o seu próprio emprego. Se pudesse, adotaria medidas mais fortes para reativar a produção e diminuir os níveis de desemprego.
Acontece que o governo é prisioneiro da armadilha financeira e cambial produzida pela irresponsabilidade da sua política econômica nos últimos anos. Os juros estratosféricos e as outras medidas adotadas para manter o precário equilíbrio das contas externas brasileiras impedem uma redução significativa das taxas de desemprego e subemprego. Tal como o touro da crônica de Machado de Assis, a política financeira vai continuar investindo contra todos, varrendo as ruas, derrubando mulheres e crianças e lançando o terror em todo o país.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@uol.com.br



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