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OPINIÃO ECONÔMICA
O reverendo FHC e o desemprego
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A vida jornalística é marcada
pelos mais lamentáveis equívocos. E não é de hoje. Em uma de
suas crônicas de jornal, Machado de Assis contou um episódio
grotesco.
Certa vez, uma folha de Nova
York embaralhou as notícias
sobre a prédica de um reverendo e a investida de um touro.
Saiu o seguinte: "O reverendo
Simpson falou piedosamente
dos deveres do cristão e das
boas práticas a que está sujeito
o pai de família; o auditório
ouvia comovido as palavras do
reverendo Simpson, o qual, investindo de repente contra todos, varreu a rua, derrubou
mulheres e crianças, lançou enfim o terror em todo o bairro,
até ser fortemente agarrado e
reconduzido ao matadouro".
Lembrei-me da crônica do velho Machado a propósito da notável incongruência das manifestações recentes do governo
sobre o desemprego. Na semana
passada, mais precisamente na
quarta-feira, a Folha publicou
trechos de um sermão confortador do presidente da República
sobre o tema. FHC disse que, em
qualquer lugar do mundo, as
taxas brasileiras de desemprego
seriam consideradas indicativas de "pleno emprego". "A sensação do desemprego é maior
do que o próprio desemprego",
garantiu o presidente.
Num primeiro momento, julguei que se tratava de mais um
lamentável equívoco de reportagem ou de edição. Fiquei
aguardando uma errata ou um
desmentido.
Nada disso. Ironicamente, o
que apareceu, e já no dia seguinte, foi o resultado da pesquisa mensal de emprego do IBGE para janeiro. Nas principais
regiões metropolitanas do país,
a taxa média de desemprego
aberto pulou de 4,8% em dezembro para 7,3% em janeiro, a
maior taxa observada no mês
de janeiro desde 1985 e a nona
maior em toda a série histórica
da pesquisa. Numa medida
mais ampla, que inclui ocupados sem rendimento e com rendimento menor do que um salário mínimo, a taxa passou de
12% para 15% da população
ativa, segundo o IBGE.
Houve aumento da taxa de
desemprego aberto em cada
uma das seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo instituto
(Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo
e Porto Alegre). O desemprego
também aumentou, e de modo
significativo, em todos os setores de atividade. Na indústria
de transformação, de 5,8% em
dezembro para 8,8% em janeiro; na construção civil, de 5,6%
para 7,9%; no comércio, de
5,2% para 7,5%; nos serviços, de
3,7% para 5,6%; em outras atividades, de 1,9% para 2,6%.
Instalou-se imediatamente
um certo pânico dentro do governo. O presidente desandou a
convocar reuniões e a mobilizar
ministros e assessores. O problema do desemprego, antes considerado inexistente ou pouco relevante, parece ter adquirido
uma súbita urgência e prioridade.
Para um espectador do teatro
governamental, a situação não
deixa de ter o seu lado divertido. Anteontem, menos de uma
semana depois de ter declarado
que estamos com taxas de "pleno emprego", FHC resolveu
aproveitar o seu sermão radiofônico semanal para anunciar
que vai declarar "guerra ao desemprego". O palco dessa guerra seria a reunião ministerial
desta sexta-feira.
Mas o ânimo belicoso do presidente não durou muito. Na
mesma tarde, o seu porta-voz
esclarecia que o governo não
pretende anunciar amanhã
ações ou projetos novos, mas
apenas avaliar "se o que existe
está bem ou não, se precisa ser
corrigido ou aperfeiçoado".
Bem. Para fazer tal avaliação,
não era nem necessário incomodar os ministros numa sexta-feira. Bastaria consultar os
dados do IBGE, da Fiesp, da
CNI ou do Dieese, que foram
objeto de ampla divulgação e
comentário nos últimos dias.
Evidentemente, toda essa movimentação governamental não
passa de uma encenação. A razão fundamental do aumento
do desemprego é a desaceleração do nível de atividade da
economia, provocada pela desestabilização das contas externas.
Em 1998, o presidente tem
uma preocupação fundamental: não colocar em risco o seu
próprio emprego. Se pudesse,
adotaria medidas mais fortes
para reativar a produção e diminuir os níveis de desemprego.
Acontece que o governo é prisioneiro da armadilha financeira e cambial produzida pela irresponsabilidade da sua política econômica nos últimos anos.
Os juros estratosféricos e as outras medidas adotadas para
manter o precário equilíbrio
das contas externas brasileiras
impedem uma redução significativa das taxas de desemprego
e subemprego. Tal como o touro
da crônica de Machado de Assis, a política financeira vai
continuar investindo contra todos, varrendo as ruas, derrubando mulheres e crianças e
lançando o terror em todo o
país.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@uol.com.br
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