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Hora de rediscutir os negócios da privatização
ALOYSIO BIONDI
Pelos cálculos do governo, os
grupos empresariais que ganharam o direito de explorar rodovias, da União e dos Estados,
deveriam passar a ter lucros somente depois de três anos, no
mínimo. No entanto, sabe-se
agora que eles lucraram já no
primeiro ano, segundo balanços
divulgados na semana passada.
Conclusão: confirma-se mais
uma vez que alguma coisa está
errada, e muito errada, nos cálculos que o governo federal e os
Estados têm feito para fixar
tanto o preço da venda de suas
estatais quanto para a concessão do direito de explorar pedágio em rodovias, serviços portuários, ferrovias etc.
Para avaliar as dimensões
dessa distorção, vale a pena dissecar o resultado da concorrência aberta pelo governo Mário
Covas para "privatização" do
sistema Anchieta-Imigrantes,
anunciado neste começo de semana. Antes de mais nada, no
que consistem essas concessões
para exploração de rodovias?
Com a privatização, os concessionários ficam responsáveis
pela execução de obras de ampliação e conservação -e, em
troca, recebem o dinheiro do
pedágio (e várias outras receitas), como pagamento pelos investimentos feitos e posteriores
serviços de manutenção. No caso da Imigrantes-Anchieta, o
grupo vencedor assumiu o compromisso de gastar R$ 770 milhões para duplicar a rodovia,
construindo nova pista destinada a unir capital e litoral. Além
disso, ofereceu um lance de R$
87 milhões para ter o direito de
ficar com o dinheiro do pedágio
e outras receitas, isto é, ter a
"concessão" da exploração da
rodovia (a pista nova e as antigas, bem entendido). Pode parecer vantajoso para o Estado.
No entanto, algumas continhas
simples mostram outra realidade.
A perder de vista
Detalhe que a opinião pública
geralmente ignora: os "lances"
para a privatização de rodovias, ferrovias etc. não são pagos à vista -não são desembolsados pelos grupos vencedores- e, portanto, não entram
nos cofres da União e dos Estados, reduzindo a sua dívida, como a equipe FHC afirma frequentemente.
No exemplo da Imigrantes (e
o esquema é similar para essas
concessões), os R$ 87 milhões
serão pagos em nada menos do
que 20 anos, em 240 parcelas
mensais. Valor dessas parcelas?
Míseros R$ 340 mil por mês para o governo paulista, tanto
quanto o preço de dois apartamentos de classe média... Haveria uma "entrada", de uns R$
10 milhões (ou o equivalente a
menos de cem metros, menos de
um décimo de quilômetro do
metrô). Mas mesmo ela é parcelada em 12 prestações de R$ 800
mil...
Detalhe final: assinado o contrato de "privatização", antes
mesmo de começar as obras, todo o dinheiro do pedágio das
rodovias já passa a ir para os
cofres das empresas vencedoras
-que lucram, assim, sem nada
desembolsar, com os trechos
anteriormente construídos pelo
governo. Isto é, com dinheiro
do contribuinte.
Lucro gigantesco
E as receitas? No caso da Imigrantes, calculou-se oficialmente que, em 20 anos, somente a
cobrança do pedágio renderá
R$ 4,4 bilhões -ou R$ 220 milhões por ano. Vale dizer: se
gastar efetivamente os R$ 770
milhões nas obras previstas, os
concessionários recuperariam o
dinheiro em três anos -e teriam lucros, a partir daqueles
R$ 220 milhões por ano, durante mais 16 anos e meio. Uma
fábula, e isto se os cálculos oficiais estivessem corretos. Mas a
realidade está mostrando que
os cálculos estão errados, isto é,
as previsões de receitas têm sido
subestimadas e na prática as
concessões rendem mais.
Aceitando-se que a sociedade
é favorável à política de privatização, ainda assim não se pode fechar os olhos às distorções
patentes do processo, que lesam
os contribuintes. Impõe-se uma
revisão, pelas Assembléias Legislativas e Congresso Nacional.
Caso Light
Em sua coluna de terça-feira
(10/03), o insuspeito Luís Nassif
confirma algumas distorções
frequentemente apontadas por
esta coluna, presentes na política de privatização e na política
econômica do governo FHC.
A Light, narra Nassif, está importando maciçamente (medidores de consumo), exatamente
como ocorre também na área
de telecomunicações. Vale dizer: ao contrário do que proclama o governo, os investimentos
gigantescos nessas áreas não estão aumentando a produção,
nem criando empregos, dentro
do país. Ao contrário. Aumentam a "torra de dólares", com
importações, e as ameaças de
desvalorização do real. Nassif
dá a entender, ainda, que a
Light está "superfaturando" as
importações, práticas que permite a remessa disfarçada de
lucros para as matrizes ou empresas do exterior -e cria uma
"sangria" de dólares extra. Ah,
sim: sem o "superfaturamento",
o lucro verdadeiro da Light seria ainda maior do que o anunciado.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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