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OPINIÃO ECONÔMICA
Cem dias e sem Saddam
GESNER OLIVEIRA
Foram cem dias de governo
Lula e três semanas de guerra
no Iraque. A combinação de tais
eventos afastou os piores cenários, mas os riscos à frente desautorizam a euforia.
Foram cem dias de governo Lula sem surpresas. Essa foi a grande surpresa. O PT abandonou o
programa de ruptura e assumiu
compromisso com a política macroeconômica do segundo mandato de FHC: câmbio flutuante,
austeridade fiscal e o regime de
metas inflacionárias.
Era previsível que o governo Lula teria de ser mais realista do que
o rei. O PT não tinha reputação
antiinflacionária. Pelo contrário,
havia sido contra "tudo isso que
está aí". Logo, teve de pagar um
custo extra para demonstrar bom
comportamento e conquistar os
mercados.
Os efeitos macroeconômicos foram positivos mesmo depurados
os exageros da propaganda oficial. A economia voltou a operar
com níveis de risco do período anterior ao segundo turno das eleições, o acesso aos recursos externos foi restabelecido e a pressão
inflacionária arrefeceu. Não é
pouco.
Persiste, contudo, uma visão
equivocada de que a austeridade
fiscal e monetária constitui uma
fase passageira para vencer dificuldades conjunturais, uma espécie de purgatório antes de ingressar no paraíso.
É uma ilusão imaginar que tudo será diferente depois de um
"dia D" da aprovação das reformas previdenciária e tributária.
Tais reformas constituem processos longos e complexos, cujo sucesso depende de permanente disciplina macro.
É igualmente ilusório imaginar
que a política macro continuará
angariando apoio político com a
renda per capita estagnada. Uma
eventual retomada do crescimento recolocará a restrição de recursos externos. Assim, a promoção
do comércio exterior e das exportações em particular não é tarefa
que possa ser deixada para o segundo tempo.
Do lado da infra-estrutura, que
hoje constitui outra restrição importante para o crescimento, o
bombardeio do governo contra as
agências reguladoras é incompreensível. Só faria sentido se o
governo planejasse reestatizar a
economia, algo inexequível e contraditório com a política macro.
Assim, o discurso contra a autonomia das agências serve apenas
para piorar as expectativas de investimento e dessa forma acentuar os problemas de oferta da
economia.
Se o governo levar a sério algumas manifestações de que seria
necessário aumentar a competição em alguns segmentos, como o
de telecomunicações, seria indispensável aumentar -e não reduzir- o grau de autonomia das
agências. O modelo regulatório
oficial não fechou até agora.
No plano externo, foram 21 dias
de demonstração de poderio bélico das forças anglo-americanas
contra o Iraque. Isso foi suficiente
para liquidar a ditadura de Saddam Hussein. E abalar fortemente as instituições multilaterais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Não bastassem as dificuldades
da negociação da Rodada Doha
mesmo antes do conflito do Iraque, a disposição para concessões
é hoje mais reduzida. Isso desacelera automaticamente outras iniciativas, como a da Alca, reduzindo o potencial de expansão do comércio como resultado de liberalização. Por sua vez, os países da
OCDE não apresentam sinais de
retomada que pudessem gerar
efeitos multiplicadores positivos
sobre a economia mundial.
Assim, o ambiente externo dos
próximos anos parece mais próximo da sucessão de crises da segunda metade dos anos 90 do que
da grande liquidez internacional
do primeiro mandato de FHC.
Sem margem de manobra e sem
direito a barbeiragens.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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