|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
A nova geração de políticos
JOÃO SAYAD
Os problemas reais são
imaginários, e os problemas
imaginários, reais. Problemas
reais são fome, frio, doença e morte. Têm solução rápida ou não
têm solução e solucionados estão
-são imaginários. Problemas
imaginários são a inveja, a rivalidade, o ciúme e o medo -não
têm solução, são reais.
Em meados dos anos 30, quando o desemprego e a deflação já
afetavam a economia do mundo
havia mais de cinco anos, França
e Alemanha se agarravam às regras do padrão-ouro e mantinham a qualquer custo a taxa de
câmbio fixa e a conversibilidade
da moeda em ouro. Adotaram
medidas protecionistas para
manter a taxa de câmbio fixa.
O padrão-ouro, criado para facilitar o livre comércio, foi mantido à custa da redução do comércio internacional. A Alemanha tinha passado por trágica hiperinflação em 1923, por causa dos pagamentos de reparação devidos
aos Aliados ao ser derrotada na
Primeira Guerra.
A França havia passado por inflação alta em meados dos anos
20, por causa do déficit público
decorrente da guerra. França e
Alemanha adquiriram uma fobia
de inflação. Confundiam desvalorização cambial com inflação e
evitavam a desvalorização a
qualquer custo. Apertavam o crédito, elevavam as taxas de juros e
suportavam o desemprego.
Estados Unidos e Inglaterra, assim como a Bélgica e os países escandinavos, não haviam passado
por inflação e não tinham esse
medo fóbico da inflação. Abandonaram o padrão-ouro mais facilmente, reflacionaram a economia
e recuperaram o emprego antes
do que outros países.
O Brasil de Getúlio Vargas também. É curioso ler o diário de Getúlio. Mostra em muitos dias o
medo da desvalorização cambial
do cruzeiro. Mas o cruzeiro se desvalorizou, o déficit público aumentou e o Brasil saiu da crise de
1930 antes do que a Europa e os
EUA. Nos anos 30, a realidade foi
generosa e apareceu aqui antes
do que em outros países.
Autoridades monetárias são seres humanos que perdem sua humanidade quando, sob o peso da
responsabilidade, pensam, decidem e sofrem a partir de esquemas conceituais elaborados com
a experiência passada. O infortúnio francês e alemão vem do medo da inflação mesmo quando
passavam por longo período de
deflação.
Renovamos a forma de pensar
apenas quando o problema se torna real. O desemprego da Grande
Depressão de 1930 só ganhou vida
e foi solucionado com a política
econômica nazista, o "New Deal"
americano e o abandono definitivo do mito do padrão-ouro.
Nos primeiros quatro anos, o
Plano Real fixou a taxa cambial
em níveis muito baixos -o dólar
chegou a custar apenas R$ 0,79! O
que parecia desvio temporário
durou quatro anos e custou muitos empregos, perda de competitividade da indústria e da agricultura e o crescimento rápido da dívida interna, que quase dobrou, e
da dívida externa, que foi multiplicada por três.
As críticas começaram em março de 1995 e foram crescendo. Os
autores do Real, economistas que
estavam no governo e, no final,
até o presidente da República criticavam a taxa de câmbio fixa.
Nada aconteceu. Só em 1998,
quando o país perdia bilhão de
dólares por dia, a taxa cambial
foi desvalorizada à força. A perda
de reservas transformou o problema imaginário em real -resolveu-se em 15 dias. A realidade levou quatro anos para aparecer.
Quando o novo governo assumiu, no ano passado, todos concordavam que a taxa de juros
precisava ser elevada para demonstrar que, apesar da retórica
do PT na oposição, o governo estava determinado a manter a ordem monetária.
Desde maio de 2003, muitos sabiam que a inflação era apenas
um aumento único do nível geral
de preços e que a taxa de juros poderia ser reduzida rapidamente.
As críticas aumentaram no decorrer de 2003, e em março de
2004 chegamos à unanimidade
-o PT conservador, o PSDB da
oposição, os dois maiores bancos
brasileiros, o professor Blanchard,
que não tem nada a ver com isso,
muitos economistas do governo,
todos criticam a manutenção dos
juros altos.
O governo continua acreditando que a economia brasileira tem
vigor e energia maiores do que os
juros, chama os críticos de "esquerdistas" e teme uma inflação
de 6% ao ano. A economia cresceu 1,5% no último trimestre de
2003, um pouquinho em janeiro e
caiu em fevereiro em relação a janeiro. A projeção de crescimento
para 2004 já é menor do que a pequena taxa de 3,5%.
Estou preocupado porque, apesar da estagnação e do desemprego, não há crise econômica. O desemprego é velho de dez anos e os
desempregados já se acostumaram -vivem de bicos ou de pequenos crimes. Não há crise cambial à vista por causa do superávit
comercial, as vendas baixas não
surpreendem e a inflação está
contida.
Quanto tempo teremos que esperar pela chegada da realidade?
O que vai transformar o desemprego em problema real? Na cultura dos últimos 20 anos, parecida com o pensamento do período
vitoriano, o desempregado é apenas um sujeito sem educação e
um problema "microeconômico".
Talvez a realidade apareça pela
política. Como o desemprego ressuscitará na política? O presidente Lula é um dos últimos políticos
da geração que se formou na luta
pela redemocratização e talvez o
último líder sindical da antiga indústria brasileira. De onde virão
os novos políticos e reunidos sob
que bandeira? Virão da televisão,
do crime organizado, de empresas de segurança ou das igrejas
comerciais?
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Dicas / Folhainvest Bolsa: Analistas dizem que a tendência será de alta se Copom cortar juro Índice
|