São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A nova geração de políticos

JOÃO SAYAD

Os problemas reais são imaginários, e os problemas imaginários, reais. Problemas reais são fome, frio, doença e morte. Têm solução rápida ou não têm solução e solucionados estão -são imaginários. Problemas imaginários são a inveja, a rivalidade, o ciúme e o medo -não têm solução, são reais.
Em meados dos anos 30, quando o desemprego e a deflação já afetavam a economia do mundo havia mais de cinco anos, França e Alemanha se agarravam às regras do padrão-ouro e mantinham a qualquer custo a taxa de câmbio fixa e a conversibilidade da moeda em ouro. Adotaram medidas protecionistas para manter a taxa de câmbio fixa.
O padrão-ouro, criado para facilitar o livre comércio, foi mantido à custa da redução do comércio internacional. A Alemanha tinha passado por trágica hiperinflação em 1923, por causa dos pagamentos de reparação devidos aos Aliados ao ser derrotada na Primeira Guerra.
A França havia passado por inflação alta em meados dos anos 20, por causa do déficit público decorrente da guerra. França e Alemanha adquiriram uma fobia de inflação. Confundiam desvalorização cambial com inflação e evitavam a desvalorização a qualquer custo. Apertavam o crédito, elevavam as taxas de juros e suportavam o desemprego.
Estados Unidos e Inglaterra, assim como a Bélgica e os países escandinavos, não haviam passado por inflação e não tinham esse medo fóbico da inflação. Abandonaram o padrão-ouro mais facilmente, reflacionaram a economia e recuperaram o emprego antes do que outros países.
O Brasil de Getúlio Vargas também. É curioso ler o diário de Getúlio. Mostra em muitos dias o medo da desvalorização cambial do cruzeiro. Mas o cruzeiro se desvalorizou, o déficit público aumentou e o Brasil saiu da crise de 1930 antes do que a Europa e os EUA. Nos anos 30, a realidade foi generosa e apareceu aqui antes do que em outros países.
Autoridades monetárias são seres humanos que perdem sua humanidade quando, sob o peso da responsabilidade, pensam, decidem e sofrem a partir de esquemas conceituais elaborados com a experiência passada. O infortúnio francês e alemão vem do medo da inflação mesmo quando passavam por longo período de deflação.
Renovamos a forma de pensar apenas quando o problema se torna real. O desemprego da Grande Depressão de 1930 só ganhou vida e foi solucionado com a política econômica nazista, o "New Deal" americano e o abandono definitivo do mito do padrão-ouro.
Nos primeiros quatro anos, o Plano Real fixou a taxa cambial em níveis muito baixos -o dólar chegou a custar apenas R$ 0,79! O que parecia desvio temporário durou quatro anos e custou muitos empregos, perda de competitividade da indústria e da agricultura e o crescimento rápido da dívida interna, que quase dobrou, e da dívida externa, que foi multiplicada por três.
As críticas começaram em março de 1995 e foram crescendo. Os autores do Real, economistas que estavam no governo e, no final, até o presidente da República criticavam a taxa de câmbio fixa. Nada aconteceu. Só em 1998, quando o país perdia bilhão de dólares por dia, a taxa cambial foi desvalorizada à força. A perda de reservas transformou o problema imaginário em real -resolveu-se em 15 dias. A realidade levou quatro anos para aparecer.
Quando o novo governo assumiu, no ano passado, todos concordavam que a taxa de juros precisava ser elevada para demonstrar que, apesar da retórica do PT na oposição, o governo estava determinado a manter a ordem monetária.
Desde maio de 2003, muitos sabiam que a inflação era apenas um aumento único do nível geral de preços e que a taxa de juros poderia ser reduzida rapidamente.
As críticas aumentaram no decorrer de 2003, e em março de 2004 chegamos à unanimidade -o PT conservador, o PSDB da oposição, os dois maiores bancos brasileiros, o professor Blanchard, que não tem nada a ver com isso, muitos economistas do governo, todos criticam a manutenção dos juros altos.
O governo continua acreditando que a economia brasileira tem vigor e energia maiores do que os juros, chama os críticos de "esquerdistas" e teme uma inflação de 6% ao ano. A economia cresceu 1,5% no último trimestre de 2003, um pouquinho em janeiro e caiu em fevereiro em relação a janeiro. A projeção de crescimento para 2004 já é menor do que a pequena taxa de 3,5%.
Estou preocupado porque, apesar da estagnação e do desemprego, não há crise econômica. O desemprego é velho de dez anos e os desempregados já se acostumaram -vivem de bicos ou de pequenos crimes. Não há crise cambial à vista por causa do superávit comercial, as vendas baixas não surpreendem e a inflação está contida.
Quanto tempo teremos que esperar pela chegada da realidade? O que vai transformar o desemprego em problema real? Na cultura dos últimos 20 anos, parecida com o pensamento do período vitoriano, o desempregado é apenas um sujeito sem educação e um problema "microeconômico".
Talvez a realidade apareça pela política. Como o desemprego ressuscitará na política? O presidente Lula é um dos últimos políticos da geração que se formou na luta pela redemocratização e talvez o último líder sindical da antiga indústria brasileira. De onde virão os novos políticos e reunidos sob que bandeira? Virão da televisão, do crime organizado, de empresas de segurança ou das igrejas comerciais?


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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