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OPINIÃO ECONÔMICA
Idéias de esquerda
JOÃO SAYAD
Partidos de esquerda e intelectuais têm discutido novas
idéias e programas. A tarefa
não é fácil.
O bem-estar da inflação baixa, as novas tecnologias de comunicação e a ideologia ainda
são muito fortes para que se
possa ver com clareza os problemas e a crueldade do novo
mundo que começou há mais
ou menos 20 anos. Mesmo assim, a vitória dos trabalhistas
na Inglaterra mostra que o tempo passa e as idéias mudam.
No Brasil, a tarefa é mais difícil ainda. A inflação caiu há
apenas dois anos. E a acusação
injusta de que as superinflações
eram resultado dos gastos do
governo, dos sindicatos ou da
indústria brasileira, ou dos políticos, ainda são muito poderosas e convincentes. Os problemas de desemprego e exclusão
são tidos como inevitáveis e os
críticos são acusados de inveja
ou muita ambição.
O tempo também passará por
aqui e novas idéias surgirão.
Enquanto isso, podemos pensar,
provocar e especular sobre o
que deveria constar ou não
constar dos programas dos partidos de esquerda.
1) Não deveriam se preocupar
com a organização da produção: se as empresas são privadas
ou públicas, se os preços são livres ou controlados e assim por
diante.
As economias de mercado resolveram bem como produzir
minérios, arroz, hortaliças, micros e telefones celulares. Determinam bem os preços e as
quantidades destas coisas. O assunto não parece importante.
2) Não deveria se preocupar
com a economia.
A economia capitalista é máquina muito poderosa e eficaz
para produzir cada vez mais,
mais eficientemente. Esta é a
sua força. E a sua fraqueza.
Se você contrata um exército
de mercenários competentes, o
problema não é ganhar a guerra, mas restabelecer a paz. Se
você tem um cão de guarda feroz e bem treinado, o problema
deixa de ser o ladrão e passa a
ser o risco de o cão morder seu
filho.
O problema da economia capitalista é mais ou menos a
mesma coisa. Não devemos nos
preocupar com a produção de
mais isto ou aquilo ou com o
emprego. Na realidade, estamos
chegando a um ponto em que o
problema é segurar essa máquina de crescimento. Ou, em outras palavras, perceber que o
mundo, Brasil inclusive, chega
a uma fase em que escassez não
é problema. Sobram produtos
agrícolas, sobram produtos industriais, sobram trabalhadores.
A única escassez que atemoriza o mundo neste momento é a
escassez do que não pode ser
produzido: meio ambiente, beleza natural, água e ar.
A dificuldade não é como organizar a produção para produzir mais. Mas arranjar outro
motivo para as nossas energias
que continuam dedicadas a
produzir, acumular e economizar.
3) Se isto é verdade, não
adianta criar mais empregos.
Precisamos de menos empregos:
trabalhar menos com salários
iguais.
Paradoxalmente, precisamos
de mais trabalho, num sentido
diferente da palavra. Trabalho
no sentido de atividade criativa, que traga satisfação e realização pessoal.
4) A verdadeira dificuldade a
enfrentar são os problemas de
caráter público. O período de
globalização que estamos vivendo pode ser caracterizado de
várias formas. A característica
mais marcante é a falta de legitimidade para qualquer atividade pública: a política, o partido, o sindicato, a nação.
Os problemas a enfrentar, especialmente no Brasil, são todos de caráter público. Educação de todos os níveis, habitação, planejamento urbano, distribuição de renda.
Os partidos de direita acreditam que tudo isto pode ser resolvido por ONGs voluntárias e
que usam muito pouco dinheiro. Não é realista: precisamos
de leis e soluções universais.
5) Pensar grande. Se o problema da escassez é cada vez mais
problema artificial, criado, não
há por que pensar pequeno:
hortas comunitárias, leite de
soja, minifúndio de subsistência.
Na realidade, os problemas
econômicos do mundo são problemas criados pela idéia de escassez. Ficamos cada vez mais
ricos e cada vez mais pão- duros.
Se a esquerda quer renovar e
repensar os problemas do mundo, é preciso antes se livrar dessas restrições artificiais. Os alunos devem estudar em tempo
integral, como disse Darcy Ribeiro, e por mais tempo. Os trabalhadores devem se aposentar
mais cedo. Os menos capazes e
eficientes podem ser perdoados
e ajudados. Afinal de contas sobra mão-de-obra.
A universidade deve pesquisar com mais liberdade e com
horizonte de tempo mais amplo. As habitações populares
podem ser maiores, as rodovias
mais amplas, o transporte público melhor e mais barato, as
férias mais longas, o trabalho
mais agradável e assim por
diante.
Parecem coisas do mundo da
Lua. Por isso são sugestões para
partidos de esquerda: representam anseios e sonhos por mundo melhor.
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
E-mail:jsayad@ibm.net.br
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