São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2008

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Adoção de política industrial divide analistas

DA SUCURSAL DO RIO

A adoção de uma política industrial divide os economistas-e reedita, no Brasil de hoje, um debate secular: entre os que defendem o Estado como indutor do setor produtivo e os que acreditam que os próprios agentes econômicos são os mais capacitados para identificar mercados e oportunidades.
Entre as medidas cogitadas ao longo da semana passada, e que serão anunciadas hoje, em evento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vários ministros no Rio, estão desonerações tributárias e créditos especiais- que podem somar R$ 23 bilhões até 2011.
A redução de impostos somente para determinados setores é um dos principais alvos de crítica.
"Conceitualmente, considero um equívoco escolher beneficiados por isenções e reduções fiscais. A carga tributária, altíssima, tem que chegar a um nível desejável para todos. É uma política que leva a má alocação de recursos e ineficiência. Não estamos mais nos anos 1950, quando não tínhamos noção disso", afirma Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje é sócio da consultoria Tendências.
A referência aos anos 1950 remete ao célebre Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960), que prometeu fazer "50 anos em 5". Por um lado, teve êxito: as indústrias de base cresceram praticamente 100% no período. Mas os críticos afirmam que o legado foi de inflação em alta e endividamento público.
Ex-ministro do Planejamento entre 1969 e 1979, o economista João Paulo dos Reis Velloso é figura central na história das políticas industriais: participou das duas edições do PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), nos governos dos generais Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.
"Não existe país desenvolvido que não faça política industrial. A União Européia, o Japão e os Estados Unidos, ainda que disfarçadamente, fazem. Vamos ver o que existe de bom nesses modelos e desistir da idéia de ser o rei dos otários", afirma Velloso. "Precisamos de incentivo de caráter regional e desenvolver tecnologicamente nossas empresas."
As duas edições do PND, em 1972 e 1975, enfatizaram o investimento em infra-estrutura e nas indústrias de base. Entre as obras, estão a construção da usina de Itaipu e a rodovia Transamazônica. Entre os programas, o de energia nuclear e o do álcool combustível.
"Muitos alertavam para os resultados do que o Delfim Netto [ministro da Fazenda entre 1967 e 1974] estava fazendo. E ouviram a mesma resposta que o ministro Guido Mantega oferece hoje: "vamos aumentar a oferta". Mas aquilo terminou na crise da dívida de 1982, no ciclo de endividamento e hiperinflação", comenta Eliana Cardoso, professora da Fundação Getulio Vargas.
Cardoso alinhava três argumentos contra a proposta de política industrial: "Vai na contramão da reforma tributária que o país precisa, que seria o fim das isenções e adoção de alíquotas uniformes; joga lenha na fogueira de uma economia superaquecida com inflação em alta, em vez de adotar uma política fiscal contracionista e anticíclica; por fim, repete erros antigos em vez de criar um ambiente regulatório para o investimento privado".
Já o professor da UFRJ David Kupfer diz que a política industrial pode reforçar a competitividade dos empresários: "A desoneração fiscal não é ideal, mas é a reforma possível diante da estrutura tributária. Uma política industrial será bem-vinda, particularmente os programas voltados para inovação tecnológica".
O estímulo ao desenvolvimento tecnológico também é ressaltado pelo economista Paulo Furquim, da FGV: "O ganho privado da inovação tecnológica é menor do que o ganho social. Os governos precisam fomentar essas iniciativas. Por isso, há espaço para política industrial no Brasil de hoje".
(ROBERTO MACHADO)


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