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Adoção de política industrial divide analistas
DA SUCURSAL DO RIO
A adoção de uma política industrial divide os economistas-e reedita, no Brasil de hoje,
um debate secular: entre os que
defendem o Estado como indutor do setor produtivo e os que
acreditam que os próprios
agentes econômicos são os
mais capacitados para identificar mercados e oportunidades.
Entre as medidas cogitadas
ao longo da semana passada, e
que serão anunciadas hoje, em
evento com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e vários ministros no Rio, estão desonerações tributárias e créditos especiais- que podem somar R$ 23
bilhões até 2011.
A redução de impostos somente para determinados setores é um dos principais alvos de
crítica.
"Conceitualmente, considero um equívoco escolher beneficiados por isenções e reduções fiscais. A carga tributária,
altíssima, tem que chegar a um
nível desejável para todos. É
uma política que leva a má alocação de recursos e ineficiência. Não estamos mais nos anos
1950, quando não tínhamos noção disso", afirma Gustavo Loyola, que foi presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje é sócio da consultoria Tendências.
A referência aos anos 1950
remete ao célebre Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960), que prometeu fazer "50 anos em 5".
Por um lado, teve êxito: as indústrias de base cresceram praticamente 100% no período.
Mas os críticos afirmam que o
legado foi de inflação em alta e
endividamento público.
Ex-ministro do Planejamento entre 1969 e 1979, o economista João Paulo dos Reis Velloso é figura central na história
das políticas industriais: participou das duas edições do PND
(Plano Nacional de Desenvolvimento), nos governos dos generais Emílio Garrastazu Médici
e Ernesto Geisel.
"Não existe país desenvolvido que não faça política industrial. A União Européia, o Japão
e os Estados Unidos, ainda que
disfarçadamente, fazem. Vamos ver o que existe de bom
nesses modelos e desistir da
idéia de ser o rei dos otários",
afirma Velloso. "Precisamos de
incentivo de caráter regional e
desenvolver tecnologicamente
nossas empresas."
As duas edições do PND, em
1972 e 1975, enfatizaram o investimento em infra-estrutura
e nas indústrias de base. Entre
as obras, estão a construção da
usina de Itaipu e a rodovia
Transamazônica. Entre os programas, o de energia nuclear e o
do álcool combustível.
"Muitos alertavam para os
resultados do que o Delfim
Netto [ministro da Fazenda entre 1967 e 1974] estava fazendo.
E ouviram a mesma resposta
que o ministro Guido Mantega
oferece hoje: "vamos aumentar
a oferta". Mas aquilo terminou
na crise da dívida de 1982, no ciclo de endividamento e hiperinflação", comenta Eliana
Cardoso, professora da Fundação Getulio Vargas.
Cardoso alinhava três argumentos contra a proposta de
política industrial: "Vai na contramão da reforma tributária
que o país precisa, que seria o
fim das isenções e adoção de
alíquotas uniformes; joga lenha
na fogueira de uma economia
superaquecida com inflação
em alta, em vez de adotar uma
política fiscal contracionista e
anticíclica; por fim, repete erros antigos em vez de criar um
ambiente regulatório para o investimento privado".
Já o professor da UFRJ David Kupfer diz que a política industrial pode reforçar a competitividade dos empresários: "A
desoneração fiscal não é ideal,
mas é a reforma possível diante
da estrutura tributária. Uma
política industrial será bem-vinda, particularmente os programas voltados para inovação
tecnológica".
O estímulo ao desenvolvimento tecnológico também é
ressaltado pelo economista
Paulo Furquim, da FGV: "O ganho privado da inovação tecnológica é menor do que o ganho
social. Os governos precisam
fomentar essas iniciativas. Por
isso, há espaço para política industrial no Brasil de hoje".
(ROBERTO MACHADO)
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