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LUÍS NASSIF
Síndromes e psicologices
Dia desses fui atrás do
meu neurologista. Julgava ser vítima do transtorno de
hiperatividade e déficit de
atenção. No ano passado, saiu
um livro sobre o tema, que virou best-seller. Já tinham me
alertado de que era um embuste, com muito marketing e
quase nada de ciência.
Mesmo assim havia um conjunto de fatores que identifiquei em mim. E toca a visitar
Daniele Riva, neurologista, filósofo, intelectual sólido. Perdi
a consulta, porque não tinha
nada, mas ganhei em conhecimento.
É da natureza da medicina a
categorização das doenças. É
a partir disso que se definem
os procedimentos médicos.
Quando se trata de sintomas
de comportamento, esse visão
"cabeça de planilha" do médico patina. O comportamento
pode ser afetado pela educação do indivíduo e, em muito,
pelos próprios valores da sociedade moderna. Entre o
comportamento "estranho" e
a patologia, há um universo
de gradações, sem a compartimentalização que caracteriza
outros tipos de doença. Só que,
nos últimos anos, a praga do
marketing passou a assolar a
psiquiatria e, com ela, o recurso de categorizar os sintomas.
A dispersão e o esquecimento são características desses
tempos de hiperinformação. A
mente não consegue processar
todas as informações recebidas não por qualquer síndrome do indivíduo, mas porque
existe uma superdosagem de
informações. Além disso, a
formação da maior parte das
pessoas visa o sucesso profissional, o que gera ansiedade,
dedicação desmedida ao trabalho.
Nossos pais trabalhavam
tanto quanto nós e não tinham por hábito o lazer. Hoje
esse perfil seria tratado como
"compulsão pelo trabalho", e
a busca do lazer, imposta como necessidade médica. Homens namoradores eram tidos
como "galinhas". Hoje, viraram "compulsivos sexuais",
especialmente após o episódio
Michael Douglas. O gosto pelo
chocolate transforma as pessoas em "chocólatras". E a gula virou "compulsão pela comida".
Quando se analisam sintomas de síndromes diversas, se
verão muitos pontos em comum. O que parece é que o
médico pega um conjunto de
características, comuns aos
tempos modernos, monta o
quebra-cabeça a seu gosto e
cria o seu diagnóstico, que pode ser de borderline, síndrome
da atenção ou qualquer outra.
Aliás, nos anos 70 tornou-se
famosa em São Paulo a história do dono de uma construtora flagrado pela mulher no sofá da sala com a empregada.
Sua reação foi um ataque de
risos, seguido de uma fuga rápida. Dois dias depois um
amigo dele, psiquiatra, procurou a mulher e informou-a de
que ele tinha rido devido a um
ataque nervoso, de que estava
disposto a voltar para casa,
mas ela não poderia em hipótese nenhuma relembrar o
episódio, pois colocaria em risco sua sanidade mental.
Por trás disso tudo, existe
uma rentável indústria do psicologismo, contra a qual os
consumidores têm poucas defesas. A subjetividade do tema, o fato de os analistas
atuarem em grupos, uns indicando outros, e o receio dos
pacientes de denunciar os manipuladores tornam o homem
moderno não apenas vítima
das doenças modernas mas
também dessa indústria da terapia.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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