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ONU E DESENVOLVIMENTO
Dirigente da Unctad diz que reforma microeconômica não assegura desenvolvimento
Só o crescimento vai atrair investidores, diz Ricupero
MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO
Para o secretário-geral da Unctad, embaixador Rubens Ricupero, a condução da política econômica no Brasil é correta, mas insuficiente para assegurar um crescimento prolongado do país.
Ex-ministro da Fazenda (1994),
Ricupero diz que, sem investimentos, o país já sofre dificuldades para produzir aço e papel em
quantidade suficiente para suprir
a demanda e manter o crescimento de suas exportações.
Para atrair investimentos, Ricupero, colunista da Folha, defende
flexibilização da meta de inflação
e câmbio mais desvalorizado.
Ricupero demonstrou ceticismo com relação ao impacto positivo de reformas microeconômicas, como apregoa, entre outros, o
ministro Antonio Palocci (Fazenda). "Não vejo ninguém ter mais
"animal spirit" [propensão a assumir riscos investindo na produção] com a perspectiva de uma
melhor Lei de Falências."
Folha - Depois de prever a crise
no México e as crises financeiras da
década de 90, qual é a próxima boa
notícia ou crise que a Unctad está
prevendo para nós?
Rubens Ricupero - O problema é
saber qual é a estratégia mais coerente. Para nós, é uma que leve em
conta que não há ainda mecanismos para evitar a repetição de crises. Sempre achamos que os países que são origem dos capitais especulativos tinham o dever de estabelecer normas, como se estabelecem para os bancos domésticos, para evitar, por exemplo, que
estes tenham um comportamento
irresponsável em matéria de empréstimos que possa levar a uma
quebra generalizada.
Folha - Na ausência de mecanismos mais lógicos para evitar empréstimos excessivos e repetição
de crises, o que os países têm feito?
Ricupero - Não resta alternativa
a não ser os países adotarem mecanismos para evitar o endividamento excessivo a curto prazo.
Primeiro, procurando desestimular o ingresso dos chamados capitais de morte súbita. E a melhor
maneira de fazer isso é estabelecer
um diferencial de tributação, como o Chile fez por muito tempo,
como a Colômbia também fez.
Folha - O surto inflacionário do final do governo FHC e começo do
governo Lula foi debelado com a
entrada de capitais de curto prazo.
A inflação baixou porque esses capitais entraram e contiveram a alta
do dólar. O sr. desestimularia a atitude que o governo tomou? Aceitaria mais inflação e mais câmbio?
Ricupero - Não. É preciso lembrar que esse surto inflacionário a
que você se refere não veio de um
choque de demanda, mas de um
choque de oferta, que foi a desvalorização da moeda. E a moeda se
desvalorizou subitamente porque
ela tinha sido mantida artificialmente durante anos.
Gustavo Franco [presidente do
Banco Central de 1997 a 1999] e
Pedro Malan [ministro da Fazenda de 1995 a 2002] acreditaram
que não existisse mais problema
de déficit em conta corrente.
Acreditavam que a liquidez financeira de 93 e de 94 tivesse eliminado o problema dos déficits em
conta corrente, que um país poderia perfeitamente ter déficits
grandes em conta corrente, que
ele não teria a menor dificuldade
de financiar-se.
Essas premissas se revelaram
falsas porque a liquidez financeira
de 93 e de 94 se revelou muito volúvel. Hoje em dia é um consenso
no Brasil que essa política acabou
abandonada não por uma escolha
deliberada, mas porque o céu caiu
em cima dos que a praticavam.
Não duvido de que esses capitais de curto prazo tenham ajudado. Mas o que permitiu que eles
entrassem foi o socorro do FMI.
Hoje, esse socorro é incerto. Cerca
de 70% dos modestos recursos do
Fundo estão comprometidos com
três países: o Brasil, a Turquia e a
Argentina. O montante de reserva
dos países asiáticos torna risíveis
os recursos disponíveis no FMI.
Não acho que seja a forma mais
racional do mundo empregar recursos em reservas. Não é. Mas
por que a China imobiliza US$
500 bilhões? Primeiro porque tem
essa relação simbiótica com os
EUA. E, segundo, porque sabe
que a garantia que tem contra a
volatilidade são as reservas.
Folha - O sr. não acha relevante
que o câmbio fortalecido nos anos
90 tenha permitido à indústria importar máquinas e se modernizar?
Ricupero - Essa explicação é retroativa. Nunca ouvi esse argumento usado para defender os déficits quando fui ministro da Fazenda. Sempre pensei que teria sido melhor não permitir uma
apreciação excessiva do real por
muito tempo. Não há dúvida de
que a moeda se valorizou no meu
período. Foi no começo, quando
lancei o real. A moeda brasileira
valeu mais que o dólar. No entanto, já no dia 13 de agosto de 1994,
eu disse, num evento na Fiesp
[Federação das Indústrias de São
Paulo], que aquilo só poderia durar umas semanas ou alguns meses, apenas durante o período de
consolidação da confiança na
moeda. Naquela época ninguém
acreditava na moeda e a sobrevalorização do real ajudou a consolidar psicologicamente o real. Mas
sempre fui favorável a que, num
primeiro momento, se adotasse o
sistema de bandas, como foi feito
no Chile.
Folha - Como o sr. avalia os indicadores mais recentes da economia
brasileira que mostram crescimento, com exportações maiores e superávit em conta corrente?
Ricupero - A condução da política econômica está sendo bem-feita, mas o Banco Central perdeu
várias oportunidades de reduzir
os juros desde o ano passado. Estou convencido de que a melhor
estratégia não é mais aquela de
utilizar os saldos das exportações
para acumular reservas, mas a de
flexibilizar a meta inflacionária. A
taxa inflacionária tem de ser mais
realista e utilizar toda a margem
que houver para baixar os juros.
Isso permitiria um alívio do déficit fiscal, que vem, sobretudo, do
pagamento dos juros.
Folha - O sr. defende a desvalorização do câmbio?
Ricupero - O real deveria mirar-se nas moedas asiáticas e ser ligeiramente depreciado. Tendo a ficar mais confortável quando está
em R$ 3,20 do que quando está
em R$ 2,90.
Folha - Mas as exportações brasileiras cresceram mesmo com um
câmbio abaixo de R$ 3,20.
Ricupero - Sim, mas o que interessa é sustentar esse movimento.
Os asiáticos têm 35 anos de crescimento. Tenho dúvidas sobre a capacidade do Brasil de sustentar a
oferta. Neste ano está dando, mas
já falta aço e papel. E o minério de
ferro já está vendido por três anos.
Temos de ter investimentos, porque muitas áreas estão no limite.
Podemos crescer 3,5%, mas, para
manter 3,5% ou 4% por vários
anos, é preciso um ritmo de investimento maior. Há também o
problema do desemprego, e é
muito difícil absorver o desemprego estrutural. O agronegócio
de exportação é uma atividade da
qual nós todos devemos nos orgulhar, mas é intensiva em capital, intensiva em máquina e intensiva em tecnologia. A indústria
também não está criando empregos, assim como o setor de serviços, que sofre com a queda da renda das pessoas.
Folha - O problema é macroeconômico, de incerteza jurídica, como dizem alguns economistas?
Ricupero - Discordo, embora
ache importante a agenda microeconômica. Ela se justifica pelos méritos próprios. Na maioria
dessas medidas, há muita justificativa, como numa melhor Lei de
Falências e na criação de um bom
mercado de capitais. Mas não
acredito que ela valha como argumento para resolver a questão do
crescimento. O crescimento depende basicamente do investimento, da formação bruta do capital e da vontade e confiança de
os empresários investirem.
A falta de confiança dos empresários nunca foi, no Brasil, devida
à incerteza jurídica. No passado,
quando eles investiam e quando o
país crescia muito, a incerteza era
maior do que é hoje. E, para usar
esse argumento da incerteza jurídica, a verdade é que você vê esses
países asiáticos que apresentam
altas taxas de investimento, inclusive a China. A insegurança é quase total. Não vejo ninguém ter
mais "animal spirit" [propensão a
assumir riscos investindo na produção] com a perspectiva de uma
melhor Lei de Falências.
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