São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A inflação do desarranjo político


Alta de preços é também sintoma da disputa sem vencedores pelo domínio da política econômica sob Lula

O GOVERNO Lula ora estima que a inflação de 2008 vai além de 6%. Que deve bater no trave da meta do Banco Central, de no máximo 6,5%. Há pilhas de estimativas econômicas, mas esse número é o que está sendo cantado para Lula e pelo Ministério da Fazenda, em geral menos apreensivo com inflação do que o Banco Central.
O número tampouco interessa pela eventual precisão. Parece haver certo alarme no governo. Seus economistas que não os do BC parecem preocupados em perder mais espaço político, pois ficou puída de vez a idéia de que o salto da inflação era uma extravagância temporária e localizada. A corrosão dessa tese afeta também quem a pregava até agora.
A frase de Guido Mantega sobre a "inflação do feijãozinho" colou de modo irrevogável no ministro a estampa da complacência com preços altos, embora no fundo a tese da pressão dos alimentos tenha seu fundo de verdade. Tal fama fora reforçada em meados de 2007, quando começou a mais recente querela inflacionária. Em julho, Mantega e Henrique Meirelles chegaram a anunciar metas de inflação diferentes. Em setembro, Meirelles dizia a Lula que o ciclo de baixa de juros terminara. O presidente começou a falar sistematicamente de controlar os preços "custe o que custar". O Relatório de Inflação de setembro sepultou o desaperto monetário.
A Fazenda, porém, insistiu no discurso dos "impactos temporários" (que aliás era mais ou menos o de muito grande banco brasileiro até fevereiro, assim como o deste colunista). Mais que isso, na verdade, exibia de público certa "nonchalance" em relação a preços. Curiosamente, porém, já em agosto de 2007 a Fazenda aventava a idéia de reduzir o imposto de importação de alimentos como trigo, leite e carnes (a fim de aumentar a oferta e reduzir os preços), e o governo mencionava mesmo a idéia de retomar a lei de limite de gasto com servidores.
Mas as partes do conflito econômico no governo chegam ambas (ou todas) desgastadas ao terceiro período de juros em alta do governo Lula. O Banco Central estava certo quanto aos preços, mas Meirelles permaneceu isolado no governo e parece de saída. A ofensiva dita "desenvolvimentista" ganhou algumas trincheiras, como o BNDES e a política industrial, mas nada muito além disso. A Fazenda se desgastou com a inflação, com seus balões de ensaio e, por fim, com a história do fundo soberano. Lula criou um conselho informal de política econômica, com economistas de fora do governo, comitê que diverge do BC mas também corrói o poder da Fazenda -de lá saiu a idéia do ainda incerto aumento do superávit primário.
A inflação de 6%, ou por aí, é também um sintoma desse desarranjo, fruto da "metamorfose ambulante" de Lula e de vários arreglos improvisados na administração da economia. Nada disso poderia ter redundado em política econômica ao menos coerente, mas numa resultante das várias "forças fracas" que tentaram sem êxito a hegemonia.
O ano de 2009 será de juros mais altos e de crescimento lento pelo mundo. Nem de longe há perspectiva de desastre, mas o desarranjo do governo da economia pede uma reforma urgente a fim de conter a degradação na mediocridade.

vinit@uol.com.br


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