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OPINIÃO ECONÔMICA
Reduzir o superávit primário é a saída para crescer?
MARCOS CINTRA
Vimos nos artigos anteriores
desta série que a redução
acelerada dos juros, a desvalorização acentuada do câmbio e a
repactuação da dívida são instrumentos que, se adotados de forma
isolada e abrupta, certamente darão início a um processo de crescimento do PIB, mas cujos efeitos
colaterais indesejáveis poderão
comprometer a sustentação da
retomada do desenvolvimento
brasileiro no futuro. Tais alternativas de política econômica, como
vêm sendo insistentemente propostas, não se mostram adequadas no sentido de manter a integridade do "triângulo intocável",
ou seja, dar início a um ciclo de
crescimento de longo prazo sem
comprometer a indispensável estabilidade entre o controle da inflação, a redução da dívida pública e o equilíbrio do balanço de
pagamentos.
No texto de hoje, vamos avaliar
o impacto da redução do superávit primário nos componentes do
"triângulo intocável".
A rigidez da política fiscal brasileira, iniciada no segundo governo FHC e aprofundada pelo presidente Lula, vem sendo alvo da
fúria dos desenvolvimentistas e
dos nacionalistas empedernidos,
que interpretam essa política como a subordinação dos interesses
nacionais aos comandos da comunidade financeira internacional.
O superávit primário foi adotado como um instrumento para reduzir o endividamento público
ou, pelo menos, para não deixar
que a relação dívida/PIB cresça
de modo acelerado, além de servir como um indicador de confiança na capacidade do governo
de saldar seus compromissos com
os credores internos e externos.
Vale destacar que os crescentes
superávits primários foram obtidos mediante forte contingenciamento de investimentos em infra-estrutura e pelo crescimento da
abusiva carga tributária. Defensores da redução do superávit primário argumentam que ela teria
como resultado a ampliação dos
investimentos na deteriorada infra-estrutura do país e, conseqüentemente, a ampliação de eficiência e de sua capacidade de
pagamento a médio e longo prazos.
Como visto no texto introdutório desta série, o superávit primário é crescente desde 1999, mas
tem sido sempre inferior ao montante de juros pagos. Somente em
2003, os juros nominais em relação ao PIB foram quase o dobro
do superávit obtido. O déficit público nominal atingiu 3,7% do
PIB. A relação dívida/PIB saltou
de 49,7% para 58,2% de 1999 a
2003.
A redução do superávit primário, como tem sido proposta, é
uma medida que compreende a
geração de menor saldo orçamentário pelo poder público. Essa
ação teria forte impacto negativo
sobre o nível do endividamento.
Um saldo orçamentário menor
exigiria o lançamento de novos
papéis no mercado para captar
recursos, elevando o estoque da
dívida mobiliária. Além disso, é
bom lembrar que as mudanças
no cenário mundial podem obrigar o Copom a manter, ou até elevar, os juros básicos. A manutenção de juros altos sobre um estoque crescente de dívida mobiliária certamente cria um ambiente
de grande incerteza no mercado.
Vale destacar que, se o superávit primário for interpretado como um indicador de confiança na
capacidade do governo de honrar
seus compromissos, sua redução
pode implicar menor demanda
por títulos públicos, o que forçaria o governo a elevar os juros para tornar os papéis mais atrativos. Com juros mais elevados, haveria um comprometimento do
nível de crescimento econômico e
pressão sobre o déficit público.
Instalar-se-ia um circulo vicioso a
gerar mais instabilidade numa
economia que busca dramaticamente seu ponto de equilíbrio.
No lado da inflação do "triângulo intocável", a redução do superávit pressionaria o nível geral
de preços da economia. A maior
despesa do governo exerceria
pressão sobre a demanda agregada, e no curto prazo o mercado
responderia por meio da elevação
dos preços. Ademais, a redução
das taxas de investimento ao longo dos últimos anos impõe limites
na capacidade de expansão da
economia, já que gargalos em sua
capacidade instalada poderão
surgir rapidamente. Aliás, esse fenômeno já começa a ser notado
com a expansão da atividade industrial brasileira verificada ao
longo do segundo trimestre de
2004. Expectativa inflacionária
em elevação causará alta na taxa
nominal de juros e, conseqüentemente, pressionará as despesas
com o serviço da dívida. Nessa situação, a tendência seria uma
elevação do déficit público -e da
dívida, mais à frente.
No geral, alterar as regras na
condução do superávit primário
pode trazer de volta a temida inflação.
No lado do balanço de pagamentos, o afrouxamento da política fiscal também teria impacto
negativo. Um regime fiscal expansionista comprometeria a relação dívida/PIB, e o fluxo de capital tenderia a sofrer contração
mediante a deterioração das expectativas daí decorrentes. Além
disso, o aumento da demanda
agregada causado por maiores
gastos públicos exerceria pressão
sobre as importações, deteriorando a balança comercial.
Portanto a redução do superávit primário é, isoladamente, a
pior das alternativas até aqui
analisadas. É medida que provoca impacto negativo em todos os
lados do "triângulo intocável".
No último artigo desta série,
vou analisar o impacto da única
alternativa que se mostra determinante para fazer a economia
crescer, ao mesmo tempo em que
mantém a inflação sob controle,
reduz o endividamento e melhora
o balanço de pagamentos. O crescimento sustentado da economia
requer mudanças estruturais. O
fundamento econômico básico
para pôr o país na trilha do desenvolvimento reside na área tributária, ou seja, na implementação de uma profunda reforma,
capaz de expandir o universo de
contribuintes e, conseqüentemente, arrecadar mais, tributando
menos.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário
das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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