São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006

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LUÍS NASSIF

O PCC e o ovo da serpente

Fica-se nessa operação mata-bandido, mas toda a organização opera a partir de lideranças que já estão presas

O PCC , maior organização criminosa já organizada em São Paulo, estruturou-se e se fortaleceu no interior dos presídios paulistas. Essa é a parte mais fantástica da história. Fica-se nessa operação selvagem mata-bandido, mas toda a organização opera a partir de lideranças que já estão presas.
Esse diagnóstico consta do trabalho "O Ovo da Serpente", de Edmar de Oliveira Cicliati, juiz de Direito em Tupã.
O primeiro passo na montagem da estrutura consiste na cooptação dos pequenos infratores. Presos, chegam ao presídio quase sempre sem roupas, sem nenhum apoio externo. A facção o "adota". A partir daí, torna-se refém eterno do favor, principalmente depois que é libertado.
O passo seguinte consiste em cooptar a namorada ou familiar do jovem para que traga alguma amiga para o companheiro de cela. Montada a estrutura externa, a partir do presídio as relações dos criminosos com o mundo exterior se dão por meio de três pontos: a maneira como ocorrem as visitas; a comunicação pelo telefone celular; e a ausência de punição. Semanalmente, há caravanas de ônibus para visitas aos presídios.
Parte é de familiares; parte, de pessoas cooptadas para alimentar o fluxo de entrada de celulares, armas e drogas. Como não existe área para visitas íntimas, as visitas ocorrem nas celas dos prisioneiros. Os controles na porta do presídio são burlados por expedientes como colocar celulares, armas ou droga nas partes íntimas das mulheres, utilizar grávidas para evitar os detetores de metais. Qualquer mulher pode se apresentar como companheira de um detento e visitá-lo na cela, por exemplo.
Já os celulares apreendidos são sempre apresentados como de propriedade de "laranjas", evitando a punição aos chefes. Além disso, um serviço de inteligência tem que se valer de escuta telefônica, mas os presos recorrem a estratagemas diversos, como circulação de telefones e o "conference call".
Segundo o juiz, foi correta a medida da Secretaria de Administração Penitenciária de colocar todas as lideranças no mesmo presídio. Mas por que se demorou tanto para tomar a decisão, permitindo o fortalecimento inédito do PCC? Em sua opinião, foi pelo receio do ex-governador Geraldo Alckmin de enfrentar o desgaste político decorrente da reação inevitável do PCC.
Não basta colocar todas as lideranças em um único presídio. As visitas não podem ter acesso às celas. Os presos é que devem se deslocar, sendo revistados no momento em que voltam às celas. Aí, qualquer celular, arma ou droga, nessas hipóteses, só poderá existir em caso de corrupção interna, o que é bem mais fácil de identificar e impedir.
São necessárias várias outras medidas, como restrições às visitas íntimas; exigência de comprovação de estado de casado ou de união estável; instalação de aparelhos de revista eletrônicos; criação de uma central de inteligência, integração com o Ministério Público e o Judiciário para centralização e agilização dos procedimentos relacionados com crimes emergentes do sistema prisional.
Todas as medidas são óbvias, conhecidas e à mão das autoridades. Mas se permitiu que do ovo nascesse a serpente.


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