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LUÍS NASSIF
Barrios, o mestre maior
Quase todo sábado reúno
músico em casa. É porta
aberta. Aparecem violonistas,
cavaquinheiros, acordeonistas,
trombonistas, pianistas, cantoras, compositores na grande
confraternização em torno da
música brasileira.
Em alguns momentos, o violão baixa no terreiro da sala. Interrompe-se o som, e os grandes
da história do violão ressurgem
nos casos e lendas transportados
através dos tempos pelos atuais
violonistas, que ouviram de seus
mestres, que também ouviram
de seus mestres, até chegar aos
mestres maiores. Aí se mergulha
nos acordes do tempo e se chega
ao uruguaio Isaías Sávio, a João
Pernambuco, Américo Jacomino, a Levino Conceição, é claro,
a Villa-Lobos. E, depois de se
chegar a todos, chega-se ao pai
de todos, dos violonistas clássicos e dos amadores que transformaram o Brasil na pátria do
violão: o paraguaio Agustín
Barrios Mangoré.
A confraria dos violonistas
brasileiros o conhece desde os
primeiros acordes de violão. O
resto do mundo passou a conhecê-lo de alguns anos para cá, depois que o inglês John Willims,
considerado o mais talentoso
violonista da atualidade, o classificou de "o melhor de todos"
para violão, mais importante
que Sor e Guiliani e mais importante compositor para guitarra
que Villa-Lobos.
Não é pouco. Até pouco tempo
atrás o espanhol Segóvia era
considerado o maior nome do
violão do século 20. Barrios antecipou o trabalho que Segóvia
realizaria, de criação de um repertório para violão, inclusive
adaptando os clássicos para o
violão, Bach (cuja influência ele
estenderia a Villa-Lobos), Schumann e Chopin. Mas foi mais
que isso. Foi um compositor iluminado. Se Segóvia ajudou a
consolidar a escola de violão espanhola, vindo de uma tradição
já existente, de Sor e Tárrega,
Barrios fundou aquela que se
tornaria a maior escola de violão contemporâneo: a brasileira
e latino-americana. Segóvia sabia tanto do valor de Barrios
que o boicotou em uma excursão européia, que Barrios começou pela Bélgica.
Na noite recheada de histórias, em minha casa, Fábio Zanon, considerado recentemente
pelo "Times" um dos violonistas
da década, toca e chora Barrios.
Com as unhas quebradas, Marcelo Khayat, um dos maiores intérpretes de Barrios, recorda-se
de uma apresentação sua em
uma cidade do mais longínquo
rincão do Pará. Um senhor velhíssimo foi cumprimentá-lo e
contou que ele não tinha sido o
primeiro grande violonista a visitar o local. Muitas décadas antes por lá passou Barrios.
Em meados da década de
1910, o violão brasileiro ainda
era tímido, utilizado para
acompanhamento nas modinhas e começando a se aprimorar nos bordões de acompanhamento, que seria sua marca registrada. A primeira apresentação brasileira de Barrios foi em
1916. Em pouco tempo mudou o
curso do violão brasileiro, passando a levar o novo som para
todo o país.
Barrios nasceu em 5 de maio
de 1885, de família numerosa,
quinto de sete irmãos, na pequena cidade de San Bautista de las
Misiones, no sul do Paraguai.
Estudou filosofia, teosofia e violão. Em 1898 iniciou estudos de
guitarra clássica com Gustavo
Sosa Escalada.
Depois, saltou de país em país.
De Assunção foi para Argentina, Uruguai, passou pelo Chile e
chegou ao Brasil. No trajeto foi
incorporando todos os ritmos
latino-americanos, misturou
com a influência espanhola, especialmente de Tárrega, jogou
um molho especial de Bach e
criou a mais divina música que
o violão produziu no século 20.
Passou a desenvolver novas
técnicas, desvendando caminhos jamais antes percorridos,
arpejos, escalas, modulação,
harmônicos e trêmulos. O século
não viu coisa igual no violão. A
"Valsa Número 3", a "Valsa Número 4", que Khayat interpretou melhor do que ninguém,
"La Catedral", talvez a maior
peça de violão clássico do século
20, "Choro da Saudade", que
Paulinho da Viola relançou,
"Las Abejas", que nada fica a
dever a Bach, "Una Lismona
por el Amor de Dios".
Em 1930 mudou o nome para
Agustín Barrios Mangoré, em
homenagem a um chefe guarani
que enfrentou os conquistadores
espanhóis. Depois, saiu do Brasil, passou pela Venezuela, onde
sua influência foi decisiva para
transformar o maestro Antonio
Lauro em um dos grandes compositores de violão das Américas, com suas valsas venezuelanas.
Sua caminhada terminou em
El Salvador, em contato com a
natureza, da qual era religiosamente seguidor. Morreu em
1944, deixando na alma brasileira e de toda a América Latina
a sua presença eterna.
Mais informações sobre ele no
site www.agustin-barrios.com.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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