|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O cenário final do governo FHC
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Os xerifes da moeda dos governos FHC permitiram
duas "bolhas especulativas",
abrindo as comportas ao capital
financeiro internacional para financiar déficits de transações correntes de mais de US$ 200 bilhões
acumulados no período. A primeira bolha ajudou a tornar o real
forte, induzindo o setor privado a
endividar-se fortemente em dólares. Terminou explodindo depois
da reeleição de FHC em 1998, levando o país às portas do FMI. A
segunda bolha foi de investimento
direto, durou pouco mais de três
anos e destinou-se à privatização
e à desnacionalização da economia. O sonho do governo de "um
choque de capitalismo global" que
deveria tornar-nos competitivos e
estáveis acabou. Agora só nos resta enfrentar a dura realidade: a
crise internacional que se alastra e
as nossas próprias crises energética e cambial.
O "real" flutuante foi ladeira
abaixo, desde que as necessidades
de financiamento externo alcançaram limites impraticáveis. Em
junho deste ano, o Banco Central
resolveu intervir no mercado de
câmbio e tentar segurar a taxa em
torno de R$ 2,50. Não podendo fechar as contas externas, as nossas
"autoridades monetárias" foram
de novo ao FMI, que as autorizou
a rebaixar as nossas reservas líquidas para US$ 20 bilhões. Essa
cifra corresponde apenas a quatro
meses de importações, ferindo o
princípio prudencial de reservas,
que eram de US$ 38 bilhões quando o governo assumiu, e cobriam
mais de um ano de importações. A
estimativa da taxa de câmbio do
acordo original, de R$ 1,70 para
fins de 2001, subirá para quanto?
Não se sabe, mas o City, um dos
credores que participam da "câmara de compensação" em dólares no interbancário privado,
aposta em R$ 2,70.
O erro de R$ 1,00 a mais nas estimativas de desvalorização e a alta
na taxa de juros custaram um aumento considerável da dívida pública interna, que, segundo as estimativas do FMI, deverá alcançar
R$ 700 bilhões no fim do ano. Para quem começou o governo com
apenas R$ 60 bilhões, devemos
confessar que é uma "performance magnífica" para celebrar os sete
anos da equipe FHC-Malan. Para
pagar apenas uma parte dos juros,
estaremos obrigados a fazer uma
"poupança fiscal primária" compulsória de 3,5% do PIB, cifra para matar de inveja os países devedores em dólar e de raiva a população trabalhadora, sujeita a um
arrocho fiscal e salarial sem precedentes.
O nosso chefe de Estado deu várias entrevistas "exemplares" sobre a segunda ida ao Fundo em
menos de dois anos. A melhor foi
no Peru, onde declarou que "só
países com economia sólida obtêm o aval do FMI para conseguir
novos recursos". Seu candidato
"in pectore" Pedro Malan corroborou a farsa ao declarar, na terça-feira passada, que "a comunidade financeira internacional depositou mais uma vez confiança
no Brasil".
Agora que a "comunidade financeira" não está nem aí para
socorrer os "mercados submergentes", o nosso ministro teve de ir a
Washington para renegociar os
restos do falecido acordo de 1998 e
assinar um "cheque especial" que
o Fundo avalizou em US$ 12,5 bilhões e lhe permite ir "flexibilizando" as reservas até o fim do governo. Trata-se de uma linha de reforço para casos graves de insuficiência na conta de capital do balanço de pagamentos, em que o
país tem direito de obter um socorro de até 400% do valor da sua
cota de acionista no FMI (tentando evitar a moratória ou o controle cambial rigoroso). A Argentina,
em situação pior, já mandou seu
delegado ao Fundo para reivindicar "tratamento equânime".
Os diretores do FMI, mesmo em
férias, resolveram ser "generosos"
à custa das reservas brasileiras. O
"empréstimo ponte" deve ser pago
com juros crescentes depois da assinatura do acordo, em setembro
deste ano, vencendo em dezembro
de 2002. O empréstimo é insuficiente para fechar o balanço de
pagamentos no próximo ano e
meio se a crise mundial se agravar
e o investimento intercompanhias
diminuir. O mercado e as agências
internacionais de risco sabem disso.
Vários comentaristas louvaram
a concessão especial e rápida para
salvar a economia brasileira do
"contágio argentino". Alguns
poucos bobos da corte a consideraram um prêmio pelo bom comportamento dos ajustes fiscais sucessivos que, no primeiro semestre
deste ano, já haviam ultrapassado
as metas previstas no acordo inicial. Outros lembraram que isso
nunca tinha acontecido na história das relações do FMI com o
Brasil. Esqueceram-se de que um
caso semelhante ocorreu em 1962,
quando Jango assumiu a Presidência da República e era embaixador em Washington o dr. Roberto Campos. O empréstimo de
então serviu para ajudar a atravessar a crise que desembocou no
golpe de 1964.
Um novo golpe não é uma situação previsível no futuro próximo,
qualquer que seja o candidato
eleito. Aparentemente não há nada no ar além dos aviões de carreira. A negociação com a Embraer
para reaparelhar a Força Aérea
Brasileira não é para bombardear
o Palácio do Planalto nem para
declarar guerra à Argentina. Seria
destinada apenas a prover de tecnologia e produção própria os
aviões que devem vigiar a nossa
longa e desguarnecida fronteira
da Amazônia. A base de Alcântara é outra negociação. Ambas estão em discussão nas comissões de
Relações Exteriores da Câmara e
do Senado, mas as decisões geopolíticas ocorrem em um nível mais
alto e secreto do que as decisões da
economia. Neste plano, a "dolarização" e o "fast track" da Alca estão temporariamente suspensos.
"Prudentia fortuna juvet."
A crise terminal do governo
FHC pode proporcionar energia
positiva suficiente para tapar os
"buracos negros" do universo em
expansão do capital financeiro
virtual e finalmente demonstrar
que outro Brasil é possível.
Maria da Conceição Tavares, 70, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br
Texto Anterior: Opinião econômica - Rubens Ricupero: Uma esperança infinita Próximo Texto: Luís Nassif: Barrios, o mestre maior Índice
|