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INADIMPLÊNCIA
Comércio, indústria e bancos estão preocupados com carnês atrasados e cheques sem fundos
Calote cresce e já assusta o mercado
FÁTIMA FERNANDES
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Maria dos Santos, 39, pensionista do Estado e mãe de quatro filhos, deve R$ 3.220 na praça. São
dívidas acumuladas desde 97. Boa
parte do débito foi renegociada há
duas semanas. Agora, ela vai tentar parcelar um débito menor, de
R$ 220, que nem é dela. É de uma
amiga, da qual foi fiadora.
O caso de Maria dos Santos
constata o que as lojas e as instituições financeiras já detectaram.
A inadimplência voltou a subir
nos últimos dois meses a ponto de
deixar em estado de alerta o comércio, a indústria e os bancos.
As causas do atraso nos pagamentos das contas já são conhecidas: a retração da atividade econômica, agora em consequência
do racionamento de energia, provoca queda da massa salarial e aumenta o desemprego. E os juros
em alta, como forma de manter o
interesse do capital estrangeiro no
país, que é vizinho da Argentina,
em crise, acabam elevando ainda
mais o valor das dívidas.
A grande dúvida dos economistas de financeiras e bancos e dos
lojistas é se essa alta na inadimplência veio para ficar por vários
meses ou se é apenas temporária,
como reflexo da queda do ritmo
da atividade industrial e dos juros
mais altos.
Recorde
Alguns dados, no entanto, assustam. O número de cheques
sem fundos já bate recorde em
São Paulo. Levantamento da abm
Consulting mostra que 2,99 milhões de cheques sem fundos foram emitidos por mês, em média,
no primeiro semestre deste ano.
Isso significa aumento de 30% em
relação a igual período de 2000.
Esse volume de cheques é o
maior do Plano Real, informa a
abm, ultrapassando até os números dos anos em que o país viveu o
maior calote da sua história. Em
98, 2,14 milhões de cheques sem
fundos foram emitidos por mês.
Em 99, 2 milhões.
O maior volume de cheques
sem fundos não significa que
mais consumidores estejam comprando com pré-datados que não
são recebidos.
É que quando um cheque é devolvido por falta de fundos, a loja
que vendeu a prazo costuma depositar os demais (se ainda houver) do mesmo cliente.
O volume de carnês com prestações atrasadas também está subindo em São Paulo. De janeiro a
julho, cresceu 25,1% na comparação com igual período de 2000, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo.
Se for considerado só o mês de
julho, o total de carnês em atraso
aumentou ainda mais: 37,5%.
Nesse caso, os números ainda estão abaixo daqueles registrados
em 98. "Os números não indicam
quebradeira de empresas, como
vimos em 98 e 99. Mas já recomendam cautela", afirma Emílio
Alfieri, economista da ACSP.
Tropa de choque
Esses carnês podem ser renegociados. É o que o comércio e as
instituições financeiras estão tentando fazer, com o envio de cartas
(após três dias de atraso) e de cobradores à casa dos devedores.
"Assim que a inadimplência subiu, reforçamos a cobrança. Temos uma tropa de choque para
fazer esse serviço", afirma Luiza
Helena Trajano Rodrigues, diretora do Magazine Luiza.
Mas reaver o dinheiro não é
uma tarefa fácil, especialmente
agora que a economia está mais
desaquecida e os juros, em alta.
Há casos de clientes que não
adianta mandar cobradores.
Pelo estudo da abm, está aumentando neste ano o volume de
carnês classificados como perdidos -sem expectativa de que serão renegociados. Em junho, 290
mil carnês entraram para a lista
dos perdidos, mais do que o dobro do volume registrado em
igual período do ano passado.
"Esse dado é um dos mais importantes, pois reflete a perda real
das empresas com o calote dos
consumidores", afirma Alberto
Borges Matias, sócio-proprietário
da abm Consulting.
Redes de eletroeletrônicos, que
dependem basicamente do crediário para vender, estão preocupadas com o aumento da inadimplência. Não é para menos.
Um grupo de oito lojas que vinha operando com inadimplência média de 5% sobre as vendas a
prazo havia um ano viu esse percentual subir para 7% nos últimos
dois meses. "É um grave sinal",
diz Marcelo Kayath, diretor do
CSFB Garantia.
As razões da crescente inadimplência são repetidas à exaustão
pelos economistas. A elevação seguida da taxa básica de juros (Selic), que serve como base para os
empréstimos, foi repassada para
os financiamentos.
Taxas sobem
Nos últimos dois meses, a taxa
cobrada pelas lojas subiu entre
0,5% e 0,7%, dependendo da financeira. Resultado: o valor das
parcelas mensais está mais alto.
As dívidas também encareceram.
O impacto não se limita à questão dos juros. A massa salarial está
em queda. Em 2000, ela cresceu
3,7% em todo o país, depois de ter
crescido 5,2% em 99. No primeiro
semestre deste ano não houve elevação alguma (crescimento zero),
informa a MB Associados.
E o desemprego -se ainda não
mostra sinais de crescimento-
deve aumentar em alguns setores
da economia. No final de 2000
existiam 17,3 milhões de ocupados em seis cidades brasileiras
(São Paulo, Rio de Janeiro, Recife,
Salvador, Belo Horizonte e Porto
Alegre). No final do último trimestre, eram 17,1 milhões.
Só a indústria eletroeletrônica já
demitiu neste ano mais de 5.000
trabalhadores, segundo avaliação
do sindicato dos trabalhadores do
setor, em Manaus, que atribui as
dispensas ao apagão.
"Com a necessidade de racionar
energia, as empresas produziram
menos, sem reduzir os custos fixos com mão-de-obra e insumos.
Logo, elas podem ter de dispensar
mais empregados", afirma David
Wong, gerente de análise da Booz
Allen e Hamilton.
Calote temporário
Apesar de ter sido acionado o sinal amarelo, o salto da inadimplência ainda não gera pânico entre economistas e lojistas. Isso
porque, na análise de alguns deles, a pior fase de retração econômica foi em junho e julho.
Assim, para eles, o fantasma do
desemprego pode desaparecer à
medida que vai se aproximando o
final do ano, quando tradicionalmente a economia está mais
aquecida.
A crise na Argentina, que força
o país a manter os juros elevados,
também deve perder intensidade.
Mais: o país vai acabar se acostumando a conviver com escassez
de energia.
"É a deterioração da economia
que leva as pessoas a deixar de pagar as contas. Como o segundo
semestre é mais aquecido, a situação pode melhorar", diz Eugênio
Foganholo, sócio da Mixxer, consultoria especializada em varejo.
O que também pode combater a
expansão da inadimplência é a
cautela do comércio e das financeiras para conceder crédito.
Ninguém se esqueceu dos resultados de 98, quando o número de
carnês em atraso bateu em 4,7 milhões em São Paulo. Na época, a
concessão de crédito disparou.
Não havia critério para a liberação
de financiamentos para a classe
de menor poder aquisitivo.
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