São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2001

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INADIMPLÊNCIA

Comércio, indústria e bancos estão preocupados com carnês atrasados e cheques sem fundos

Calote cresce e já assusta o mercado

FÁTIMA FERNANDES
ADRIANA MATTOS


DA REPORTAGEM LOCAL

Maria dos Santos, 39, pensionista do Estado e mãe de quatro filhos, deve R$ 3.220 na praça. São dívidas acumuladas desde 97. Boa parte do débito foi renegociada há duas semanas. Agora, ela vai tentar parcelar um débito menor, de R$ 220, que nem é dela. É de uma amiga, da qual foi fiadora.
O caso de Maria dos Santos constata o que as lojas e as instituições financeiras já detectaram. A inadimplência voltou a subir nos últimos dois meses a ponto de deixar em estado de alerta o comércio, a indústria e os bancos.
As causas do atraso nos pagamentos das contas já são conhecidas: a retração da atividade econômica, agora em consequência do racionamento de energia, provoca queda da massa salarial e aumenta o desemprego. E os juros em alta, como forma de manter o interesse do capital estrangeiro no país, que é vizinho da Argentina, em crise, acabam elevando ainda mais o valor das dívidas.
A grande dúvida dos economistas de financeiras e bancos e dos lojistas é se essa alta na inadimplência veio para ficar por vários meses ou se é apenas temporária, como reflexo da queda do ritmo da atividade industrial e dos juros mais altos.

Recorde
Alguns dados, no entanto, assustam. O número de cheques sem fundos já bate recorde em São Paulo. Levantamento da abm Consulting mostra que 2,99 milhões de cheques sem fundos foram emitidos por mês, em média, no primeiro semestre deste ano. Isso significa aumento de 30% em relação a igual período de 2000.
Esse volume de cheques é o maior do Plano Real, informa a abm, ultrapassando até os números dos anos em que o país viveu o maior calote da sua história. Em 98, 2,14 milhões de cheques sem fundos foram emitidos por mês. Em 99, 2 milhões.
O maior volume de cheques sem fundos não significa que mais consumidores estejam comprando com pré-datados que não são recebidos.
É que quando um cheque é devolvido por falta de fundos, a loja que vendeu a prazo costuma depositar os demais (se ainda houver) do mesmo cliente.
O volume de carnês com prestações atrasadas também está subindo em São Paulo. De janeiro a julho, cresceu 25,1% na comparação com igual período de 2000, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo.
Se for considerado só o mês de julho, o total de carnês em atraso aumentou ainda mais: 37,5%. Nesse caso, os números ainda estão abaixo daqueles registrados em 98. "Os números não indicam quebradeira de empresas, como vimos em 98 e 99. Mas já recomendam cautela", afirma Emílio Alfieri, economista da ACSP.

Tropa de choque
Esses carnês podem ser renegociados. É o que o comércio e as instituições financeiras estão tentando fazer, com o envio de cartas (após três dias de atraso) e de cobradores à casa dos devedores.
"Assim que a inadimplência subiu, reforçamos a cobrança. Temos uma tropa de choque para fazer esse serviço", afirma Luiza Helena Trajano Rodrigues, diretora do Magazine Luiza.
Mas reaver o dinheiro não é uma tarefa fácil, especialmente agora que a economia está mais desaquecida e os juros, em alta. Há casos de clientes que não adianta mandar cobradores.
Pelo estudo da abm, está aumentando neste ano o volume de carnês classificados como perdidos -sem expectativa de que serão renegociados. Em junho, 290 mil carnês entraram para a lista dos perdidos, mais do que o dobro do volume registrado em igual período do ano passado.
"Esse dado é um dos mais importantes, pois reflete a perda real das empresas com o calote dos consumidores", afirma Alberto Borges Matias, sócio-proprietário da abm Consulting.
Redes de eletroeletrônicos, que dependem basicamente do crediário para vender, estão preocupadas com o aumento da inadimplência. Não é para menos.
Um grupo de oito lojas que vinha operando com inadimplência média de 5% sobre as vendas a prazo havia um ano viu esse percentual subir para 7% nos últimos dois meses. "É um grave sinal", diz Marcelo Kayath, diretor do CSFB Garantia.
As razões da crescente inadimplência são repetidas à exaustão pelos economistas. A elevação seguida da taxa básica de juros (Selic), que serve como base para os empréstimos, foi repassada para os financiamentos.

Taxas sobem
Nos últimos dois meses, a taxa cobrada pelas lojas subiu entre 0,5% e 0,7%, dependendo da financeira. Resultado: o valor das parcelas mensais está mais alto. As dívidas também encareceram.
O impacto não se limita à questão dos juros. A massa salarial está em queda. Em 2000, ela cresceu 3,7% em todo o país, depois de ter crescido 5,2% em 99. No primeiro semestre deste ano não houve elevação alguma (crescimento zero), informa a MB Associados.
E o desemprego -se ainda não mostra sinais de crescimento- deve aumentar em alguns setores da economia. No final de 2000 existiam 17,3 milhões de ocupados em seis cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre). No final do último trimestre, eram 17,1 milhões.
Só a indústria eletroeletrônica já demitiu neste ano mais de 5.000 trabalhadores, segundo avaliação do sindicato dos trabalhadores do setor, em Manaus, que atribui as dispensas ao apagão.
"Com a necessidade de racionar energia, as empresas produziram menos, sem reduzir os custos fixos com mão-de-obra e insumos. Logo, elas podem ter de dispensar mais empregados", afirma David Wong, gerente de análise da Booz Allen e Hamilton.

Calote temporário
Apesar de ter sido acionado o sinal amarelo, o salto da inadimplência ainda não gera pânico entre economistas e lojistas. Isso porque, na análise de alguns deles, a pior fase de retração econômica foi em junho e julho.
Assim, para eles, o fantasma do desemprego pode desaparecer à medida que vai se aproximando o final do ano, quando tradicionalmente a economia está mais aquecida.
A crise na Argentina, que força o país a manter os juros elevados, também deve perder intensidade. Mais: o país vai acabar se acostumando a conviver com escassez de energia.
"É a deterioração da economia que leva as pessoas a deixar de pagar as contas. Como o segundo semestre é mais aquecido, a situação pode melhorar", diz Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer, consultoria especializada em varejo.
O que também pode combater a expansão da inadimplência é a cautela do comércio e das financeiras para conceder crédito.
Ninguém se esqueceu dos resultados de 98, quando o número de carnês em atraso bateu em 4,7 milhões em São Paulo. Na época, a concessão de crédito disparou. Não havia critério para a liberação de financiamentos para a classe de menor poder aquisitivo.



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