São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2000

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LUÍS NASSIF

O segundo tempo da privatização

É retórica pura considerar a privatização, como um todo, um fracasso. Assim como é exagero considerar o processo perfeito. Há pontos positivos e negativos.
A privatização está permitindo uma revolução nas telecomunicações que, em breve, vai se disseminar por toda a economia, por meio dos modernos recursos tecnológicos. Na siderurgia e na mineração, logrou formar um parque competitivo que, com o descruzamento das ações da Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional, permitirá a criação de "players" internacionais. Transformou a Embraer em um gigante da indústria aeronáutica. Permitiu à Petrobras, com o mero fim do monopólio, ganhar horizontes de multinacional.
Suas falhas ocorreram em três frentes. Primeiro, na privatização de setores cujo modelo de regulamentação ainda não estava definido -caso típico do setor elétrico. Segundo, no uso dos recursos arrecadados para financiar a irresponsabilidade cambial do primeiro governo FHC -que é um problema de política econômica, não propriamente do modelo de privatização. Terceiro, ao não enquadrar a privatização em um modelo moderno de mercado de capitais e não saber trabalhar adequadamente a carência de capitais no Brasil, impedindo a consolidação das primeiras empresas públicas privadas (no sentido de não ser empresas de dono, mas de poder compartilhado, como ocorre em sociedades modernas).
Esse fato proporcionou a alguns empresários mais atirados e com melhores relacionamentos no governo e nos fundos de pensão comandar o processo, articulando com fundos de pensão e estatais e assumir o controle sem dispor da capital, confiando na geração de caixa da empresa para permitir-lhes honrar os compromissos assumidos. Com isso, passaram a subordinar os interesses da companhia às suas próprias prioridades, valendo-se de maneira pouco responsável do poder de controle adquirido. Empresas com alto nível de capital intensivo procederam a políticas temerárias de distribuição de dividendos, unicamente para capitalizar seus controladores, permitindo-lhes pagar os financiamentos assumidos para sua compra.
Para que isso fosse possível, passaram a dispensar total desatenção aos minoritários, mesmo fazendo parte do bloco de controle, deixando clara a intenção de se prevalecer das vantagens do controle não compartilhado.

Muita prioridade
O governo poderia alegar a incapacidade de tratar simultaneamente de várias prioridades: acelerar a privatização, montar um modelo competitivo e, ao mesmo tempo, enfrentar a carência de capitais nacionais.
Se o ótimo é inimigo do bom, que se faça dentro do possível e se escolha o momento para as correções de rumo. Nos últimos anos, a realidade do mercado se incumbiu de efetuar alguns acertos. Reduziu os sonhos megalômanos de alguns executivos de siderúrgicas privatizadas, começa a buscar alternativas para o cruzamento de ações entre Vale e CSN.
Resta o caso Opportunity e as teles. As diversas companhias cujo controle foi articulado pelo Opportunity meteram-se em uma disputa intestina, que não faz bem ao país, nem aos usuários, nem aos cotistas dos fundos que administram.
Tentativas de composição foram refugadas pelo Opportunity. Para desestabilizá-lo, fundações se dispuseram a pagar mais por compra de participação, apenas para diluir a posição do banco, desperdiçando recursos de seus associados.
Essa briga se resolve de maneira simples. Quanto aos fundos de estatais, definindo uma linha de atuação profissional. Quanto ao Opportunity, fechando as torneiras de financiamentos, até que se resolva a pendência e ele abra mão do controle.
O objetivo final é transformar essas teles em empresas públicas na acepção do termo, com administradores profissionais, impedindo que acionistas loteiem cargos ou que tentem se apropriar dos ganhos do controle.
A operação tem que ser rápida, já que são inúmeros os sinais de que os interesses das companhias (e de seus consumidores) poderão ser afetados por manobras de surpresa de seus controladores.


E-mail - lnassif@uol.com.br



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