São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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RETOMADA

Indústria de carros, televisores, geladeiras, roupas e calçados não atingiu picos de vendas alcançados no Plano Real

Brasileiro ainda consome menos que em 96

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A economia brasileira voltou a crescer, como revelam diversos indicadores -de janeiro a julho, a produção industrial subiu 7,8% sobre igual período do ano passado. Ainda assim, as fábricas estão vendendo menos carros, geladeiras, TVs, roupas, sapatos e móveis do que em dois dos melhores anos do país: 2000 e/ou 1996.
A queda do poder aquisitivo do brasileiro a partir de 97 é o principal entrave para a recuperação das vendas. A melhora gradual da renda do trabalhador, desde maio deste ano, deu fôlego ao setor de bens de consumo, mas ainda não foi suficiente para levar as fábricas a superar os resultados do passado. A retomada se deu mais pelo aumento das exportações do que pelo consumo interno.
De 1996 para 2004, a população brasileira cresceu 15,6%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Só que a renda real do trabalhador encolheu cerca de 12% no período. Resultado: as vendas de bens duráveis (carros e eletrodomésticos) e semiduráveis (roupas e calçados) não acompanharam nem de longe a expansão demográfica.
As vendas de produtos eletroeletrônicos ainda são 28% menores do que as de 96 e 5,7% menores do que as de 2000, relata a Eletros, associação dos fabricantes. "Vendemos 46 milhões de unidades em 1996 e 35 milhões em 2000. Neste ano, devemos vender 33 milhões de unidades, que é 10% mais do que em 2003", diz Paulo Saab, presidente da Eletros.
Dois dos produtos mais importantes da indústria eletroeletrônica -televisores e geladeiras- são menos procurados hoje do que em 1996. No primeiro trimestre deste ano, as vendas de TVs foram 13,8% menores do que as de igual período de 96. No caso dos refrigeradores, 5,58% menores.
As montadoras de carros também já viveram dias melhores. De janeiro a agosto, o mercado interno absorveu 922,1 mil veículos, 13,75% menos do que em igual período de 96 e 28,6% menos que os oito meses iniciais de 97, melhor ano do setor, segundo a Anfavea, associação dos fabricantes.
A indústria têxtil é outra que não acompanhou o ritmo de crescimento da população. No primeiro semestre de 2004, a produção média dos fabricantes de produtos têxteis foi 8,2% menor do que a de igual período de 1996 e 4% menor do que a de 2000, segundo cálculo da MS Consult com base em dados do IBGE.
"Se boa parte da população não tem dinheiro nem para comer, como vai comprar roupas?", pergunta Roberto Chadad, presidente da Abravest, associação que reúne a indústria de confecção.
A renda média real do trabalhador brasileiro é 10% menor do que a de 2000 e 12,4% menor do que a de 1996, segundo cálculo de Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores.
"As vendas de vestuário reagiram. Cresceram 5% no primeiro semestre de 2004 sobre igual período de 2003. Mas as confecções produzem menos do que em 2000 e do que em 1996", diz Chadad.
Um sinal de que o consumidor continua sem fôlego para gastar com produtos básicos é que a produção do setor de bens semiduráveis (roupas) e não-duráveis (alimentos) caiu 1% em julho sobre junho, segundo o IBGE.
Os supermercados confirmam que as vendas não deslancharam. "O consumo reagiu neste ano, mas as vendas das empresas ainda não alcançaram os níveis de 95, o melhor ano para o setor", afirma João Carlos de Oliveira, presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados).
De quatro setores industriais analisados pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, três, em julho, utilizaram menos a capacidade instalada na comparação com 1996 e/ou 2000. Há oito anos, o setor de bens de consumo (duráveis, semiduráveis e não-duráveis) ocupava 84% dos equipamentos das fábricas. Em 2000, esse percentual foi de 77,1%. E, neste ano, de 80,4%.
"A indústria de bens de consumo está produzindo menos hoje do que em 1996 porque foi uma das mais beneficiadas com o Plano Real, que possibilitou uma melhora do poder aquisitivo com a queda da inflação", afirma Jorge Braga, coordenador técnico da Sondagem Industrial da FGV.
A diminuição nas vendas de bens duráveis também é explicada pelo fato de esses produtos terem vida útil superior a oito anos. "Ninguém troca de geladeira todos os anos", diz Faria, da LCA.
A retração no consumo de bens duráveis também é conseqüência dos aumentos dos gastos com saúde, educação e tarifas administradas, como energia elétrica. Segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), o custo de energia elétrica subiu 65% de 2001 a 2004; da linha de telefone celular, 39,7% e dos serviços de TV a cabo, 43%. A inflação no período foi de 31,6%.
"Estamos longe de recordes históricos de vendas. Houve ainda mudança nos hábitos de consumo. Novos produtos passaram a ocupar espaço de linhas tradicionais", diz Valdemir Colleone, diretor da Lojas Cem.
"Estamos longe de um conto de fadas. Vivemos um sopro de crescimento. Estamos em fase de repor a capacidade ociosa das fábricas para voltar a patamares de 95 e 96", diz Alberto Serrentino, sócio-diretor da Gouvêa de Souza.

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