São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

República da inclusão: crescimento para todos

ALOIZIO MERCADANTE

O século 20 às vezes parece já ir longe, com toda a sua turbulência transformadora: o padrão libra-ouro foi engolido pela crise da Primeira Guerra Mundial e voltou como um espectro tateante no entreguerras, para ser abandonado na Grande Depressão dos anos 30. A vitória dos aliados na Segunda Guerra redefine a geopolítica e desloca a hegemonia britânica para os EUA, que passam a ancorar o mundo ocidental a partir 7das instituições criadas em Bretton Woods, o padrão dólar-ouro, o Gatt, o Banco Mundial e o FMI, entre outras. A Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética lança a disputa por corações e mentes e influência política concreta em nível global. É fabuloso o crescimento econômico nos anos gloriosos do chamado Ocidente, como também no mundo socialista, que posteriormente não acompanhou e acabou por sucumbir às mudanças do padrão de acumulação mundial ocorridas a partir dos anos 80.
O Brasil passou por esses anos também em profunda mudança. Saiu de uma economia agrário-exportadora, que girava em torno dos humores dos preços do café no mercado internacional, e construiu uma economia industrial e diversificada, em meio a um grande debate sobre as vocações do país. Nos primeiros 50 anos do século, o Brasil cresceu em média 4,7%. Mas muito mais cresceríamos após os anos 50.
A reconstrução do pós-guerra teve efeito vigoroso sobre a economia mundial. A Europa é revitalizada pelo Plano Marshall; o Japão, que parecia fadado à decadência, muda de rumo após os novos cálculos geopolíticos gerados pela Revolução Chinesa de 1949, que levou os americanos a estimular a economia daquele país. A economia norte-americana entra em um período de crescimento vigoroso e puxa o resto do mundo.
Nossos anos dourados de crescimento econômico duram também 30 anos: de 1951 a 1980. Nesse período, o PIB avança a um ritmo de 7,4% ao ano, dobrando a cada dez anos. A riqueza do país cresce de forma avassaladora, mas, ao contrário do que ocorreu nos EUA e na Europa naqueles anos, não houve desenvolvimento com distribuição de renda e riqueza por aqui. A ausência das reformas estruturais, principalmente a agrária, em um país ainda com a população predominantemente rural, revelou a resistência das elites brasileiras a distribuir sua prosperidade. A ditadura militar viria para consolidar essa opção pela exclusão social.
O colapso do modelo de crescimento do período militar joga o país em sua mais longa crise. São mais de 20 anos de estagnação: nos primeiros dez, em razão da crise da dívida externa, que deu início ao processo hiperinflacionário e à cultura da inflação, e nos últimos dez anos, em razão das opções de política de estabilização, principalmente da aventura de Collor e do populismo cambial do primeiro mandato de FHC, que lançaram o país em uma estagnação tão grande como a da década perdida.
Após 30 anos crescendo a 7,4%, vivemos 20 anos crescendo a 2% ao ano. Esse período prolongado de estagnação relativa afetou as mentalidades. Nós, que tivemos 15 anos no século 20 com a economia em ritmo superior a 10% e uma média anual em 100 anos de 5%, passamos a nos assustar com a possibilidade de crescer acima de 3,5%. Houve épocas em que ministros foram forçados a renunciar por desacelerar o crescimento de 10% para 5% ao ano.
Saiu do imaginário da sociedade o espírito do crescimento, o entusiasmo com um futuro brilhante. Predomina a anemia blasé, exangue, principalmente dos que se acostumaram a viver das rendas dos hiperjuros brasileiros. Investir para que, se é possível remunerar o capital, sem esforço e criatividade, através do rentismo? Parece ser esse o pensamento predominante no mundo do dinheiro. Criou-se, assim, uma cultura da estagnação, que aprofunda a exclusão estrutural preexistente.
O nosso governo busca recuperar esse ânimo perdido em um povo com capacidade notável de criar, empreender e trabalhar. Não faltam aos brasileiros a fibra e o ímpeto; faltam, sim, as oportunidades, os meios. Estes têm de ser criados pelos esforços de todos e isso é obrigação do governo.
Colocar na agenda do país o esforço para a criação de um novo contrato social, que está sendo proposto pela CUT e pela Fiesp, é fundamental neste momento em que começamos a encontrar o caminho do crescimento. Não para tratar da política de curto prazo, dado que a estabilidade monetária está praticamente consolidada há uma década, mas para abrir as fronteiras do desenvolvimento econômico e social. É preciso identificar de forma concreta as necessidades da sustentação do crescimento, para além das premissas básicas da estabilidade monetária e da responsabilidade fiscal.
É central nessa agenda o tema da produtividade sistêmica. Os países que cresceram com inclusão o fizeram a partir de um aumento sustentado da produtividade, distribuído através do mercado de trabalho e das políticas sociais do Estado. Crescer com distribuição de renda e com estabilidade do custo de vida exige um esforço produtivista. A agenda para o desenvolvimento deveria partir dessas premissas, que podem gerar um jogo construtivo entre os interesses dos diversos setores da sociedade.
Devemos começar a recriar a cultura do crescimento e rejeitar o olhar que vê o crescimento econômico como um problema, como se tornou habitual ao longo das últimas duas décadas. A recuperação em andamento, uma vez sustentada pelas iniciativas da sociedade e do governo, é uma grande oportunidade para construirmos uma nova etapa de nossa história republicana, a República da inclusão, com crescimento para todos.


Aloizio Mercadante, 50, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br

E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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