São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

O Banco Central e a crise

Não está certo o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em debitar à campanha eleitoral os problemas cambiais enfrentados pelo país. Politiza o debate, acirra o nervosismo do mercado e tira o corpo de erros que foram cometidos na gestão cambial deste ano. E foram muitos os erros.
Quando teve início o nervosismo do mercado, no primeiro semestre, o BC decidiu administrar as demandas adiando os problemas para o último trimestre deste ano, justamente o período em que o mercado estaria mais nervoso, por conta das eleições. Ou seja, jogou o pepino para o epicentro da crise.
O erro inicial foi ter utilizado a "marcação a mercado" na definição do valor dos títulos em carteira dos fundos, provocando desvalorização das cotas. Criou um nervosismo desnecessário, porque a maior parte dos títulos era levada até o vencimento pelos fundos.
No plano cambial, foram muitos os equívocos. Um deles foi o de, para reduzir o nervosismo do mercado com as mudanças dos fundos, ter trocado papéis cambiais com vencimento para 2003 e 2004 por outros com vencimento no último trimestre deste ano, em pleno período eleitoral. De 17 de outubro a 12 de dezembro serão US$ 9,35 bilhões em vencimentos, além de US$ 5 bilhões em "swaps" cambiais que vencem entre 17 de outubro e 18 de dezembro.
A última coisa a fazer, em uma empresa com dificuldade de caixa, é antecipar vencimentos de dívidas, me diz um analista independente. Pelo contrário, o caminho prudencial é o do alongamento da dívida, para reduzir os problemas de liquidez. A idéia de encurtar o prazo pode ter contentado o mercado em um primeiro momento, mas deixou bombas pelo caminho, um excesso de procura sem oferta, em um período de alta volatilidade motivada pelas eleições, que começou a movimentar a roda da especulação.
O jogo começa quando os detentores de títulos cambiais começam a manipular o mercado para elevar o valor do Ptax (o preço de liquidação do título cambial). Com o cenário instável por si, por conta das eleições, os bancos técnicos saem da parada, deixando o terreno aberto para os especuladores. Com o movimento de alta, quem tem dólar à vista segura, esperando uma nova alta. Quem precisa se proteger compra correndo, temendo uma nova alta. E aí se cria o moto-contínuo da crise, explica o analista.
A manipulação pode ocorrer de várias formas, a mais primária das quais é a chamada operação "Zé com Zé", em que há troca de chumbo entre instituições. Essas operações vêm ocorrendo com grande insistência, sem que o Banco Central as detecte e puna.
Não foi o único erro do BC. Entre agosto e outubro deste ano, gastou US$ 2,8 bilhões na recompra de C-Bonds, com vencimento entre 2003 e 2005, pagando entre US$ 0,54 e US$ 0,60 por dólar para fazer a cotação subir e ajudar a "percepção da curva de juros dos papéis brasileiros e melhorar a formação da taxa de risco Brasil", segundo Beny Parnes, diretor do BC e pai da operação.
O resultado foi inverso. O papel está cotado a US$ 0,495 por dólar e a taxa de risco Brasil não parou de subir. Nessa recompra, o BC amargou perda financeira entre US$ 250 milhões e US$ 280 milhões. Se esses US$ 2,8 bilhões tivessem sido utilizados internamente, poderiam ter sido muito mais eficazes para acalmar o mercado.
Por isso, o melhor a fazer é Armínio Fraga -a quem o país deve muito, por sua atuação tranquilizadora na crise cambial de 1999 - evitar debitar esses problemas ao processo político e tratar de atuar com serenidade, enquanto espera o vendaval passar.

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