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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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EMPREGO

Advogados usam serviços de terceiros para atrair clientes que queiram entrar com ações trabalhistas na Justiça

"Paqueiros" caçam interessados em reclamar

DA REPORTAGEM LOCAL

Quem passa nas esquinas das avenidas Ipiranga com Rio Branco, na região central de São Paulo, corre o risco de ser "caçado" para uma consulta trabalhista.
O convite para usar os serviços de advogados trabalhistas é feito pelos chamados "paqueiros", contratados para atrair clientes -principalmente, desempregados- interessados em reclamar na Justiça do Trabalho.
Instalados nas calçadas dessas avenidas, os "paqueiros" se misturam aos camelôs para disfarçar a atividade irregular. O termo "paqueiro" teria surgido da idéia de que esses "profissionais" paqueram os potenciais clientes. É uma incógnita, porém, por que não usam o termo paquerador.
O dicionário descreve "paqueiro" como a pessoa que angaria serviços para terceiros.
A reportagem da Folha esteve na última quarta-feira no Fórum Trabalhista Alfredo Issa, centro de São Paulo, e constatou como os "negócios" são feitos ao redor do prédio. Do lado de fora, "paqueiros" e potenciais clientes. Do lado de dentro, audiências reúnem advogados, clientes, testemunhas e juízes que tentam cumprir a pauta do dia em ritmo acelerado.
"Olha, você tá querendo um advogado? Aqui tem dos bons. Trabalhista, cível, criminal. Qual é o seu problema?", pergunta à Folha uma pessoa que se identifica como Manuel, que diz estar há mais de 20 anos no ramo de encaminhar clientes a um advogado.
A estratégia para levar o cliente a subir as escadas do escritório é que o serviço é bom, barato e oferece quase 100% de chance de ganho de causa. O "paqueiro" não diz quanto ganha, mas conta que recebe uma "ajuda" do "doutor".
A poucos metros de Manuel, João distribuía cartões de dois escritórios aos que passavam apressados para as audiências. Aos advogados, divulgava o serviço de um escritório especializado em cálculos trabalhistas. Aos trabalhadores, divulgava o serviço de advogados especialistas em seguros, alvarás, inventários, separação, reclamações trabalhistas e "até pensão e aposentadoria".
"São R$ 10 a cada jornada de quatro horas. Também ganho um percentual de 3% a 4% da causa trabalhista do cliente que encaminho ao escritório. Dá para tirar R$ 1.000 por mês", diz João.
"Isso é desvio ético. Um trabalhador deve procurar o advogado pela indicação, confiança e recomendação e jamais por abordagem", afirma Nilton da Silva Correia, presidente da Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). "A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] proíbe a publicidade com caráter mercadológico. A advocacia não é uma atividade mercantil e não pode fazer anúncio como faz uma indústria de sabonetes. O direito não pode ser tratado apenas pela visão numérica. É um ato de civilidade, e não de matemática."
O secretário-geral da OAB-SP, Valter Uzzo, avisa: "A ordem pune e cassa o advogado que tem esse tipo de conduta. Já fizemos várias diligências e estamos investigando várias denúncias recebidas e encaminhadas ao tribunal de ética". Para a OAB, uma das formas de acabar com o que chama de "balcão de negócios" é exigir que o trabalhador só possa ajuizar um ação por meio de um advogado. "Como o cidadão comum pode bater na porta da Justiça, sem um advogado, ao passar na rua já é laçado por um "paqueiro'", diz.
Para Otávio Brito, vice-procurador geral do Trabalho, o que leva a Justiça do Trabalho a operar como um "balcão de negócios" -com "paqueiros" e pedidos de indenizações"superestimadas"- é a morosidade no andamento de processos. "A lentidão só beneficia o empresário", afirma.
"Um juiz em uma região como São Paulo tem de julgar 200 processos por mês. A média é de 4.000 ações por Vara do Trabalho, enquanto a lei diz que a média deveria ser de 1.500. Sem estrutura, não há como dar conta", diz Grijalbo Coutinho, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). A situação deve ser "aliviada", em parte, diz, com o projeto de criação de novas Varas em tramitação no Senado. "São 269 no país, sendo 22 para a Grande São Paulo [hoje existem 75]. É pouco, mas já é alguma coisa."
"Há uma indústria que lesa o direito individual do trabalhador. A norma é descumprir a legislação trabalhista. Como a fiscalização é insuficiente, são 5.000 fiscais em todo o país, isso resulta em um grande número de ações trabalhistas", diz Coutinho.
(FÁTIMA FERNANDES e CLAUDIA ROLLI)

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