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EMPREGO
Advogados usam serviços de terceiros para atrair clientes que queiram entrar com ações trabalhistas na Justiça
"Paqueiros" caçam interessados em reclamar
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem passa nas esquinas das
avenidas Ipiranga com Rio Branco, na região central de São Paulo,
corre o risco de ser "caçado" para
uma consulta trabalhista.
O convite para usar os serviços
de advogados trabalhistas é feito
pelos chamados "paqueiros",
contratados para atrair clientes
-principalmente, desempregados- interessados em reclamar
na Justiça do Trabalho.
Instalados nas calçadas dessas
avenidas, os "paqueiros" se misturam aos camelôs para disfarçar
a atividade irregular. O termo
"paqueiro" teria surgido da idéia
de que esses "profissionais" paqueram os potenciais clientes. É
uma incógnita, porém, por que
não usam o termo paquerador.
O dicionário descreve "paqueiro" como a pessoa que angaria
serviços para terceiros.
A reportagem da Folha esteve
na última quarta-feira no Fórum
Trabalhista Alfredo Issa, centro
de São Paulo, e constatou como os
"negócios" são feitos ao redor do
prédio. Do lado de fora, "paqueiros" e potenciais clientes. Do lado
de dentro, audiências reúnem advogados, clientes, testemunhas e
juízes que tentam cumprir a pauta
do dia em ritmo acelerado.
"Olha, você tá querendo um advogado? Aqui tem dos bons. Trabalhista, cível, criminal. Qual é o
seu problema?", pergunta à Folha
uma pessoa que se identifica como Manuel, que diz estar há mais
de 20 anos no ramo de encaminhar clientes a um advogado.
A estratégia para levar o cliente
a subir as escadas do escritório é
que o serviço é bom, barato e oferece quase 100% de chance de ganho de causa. O "paqueiro" não
diz quanto ganha, mas conta que
recebe uma "ajuda" do "doutor".
A poucos metros de Manuel,
João distribuía cartões de dois escritórios aos que passavam apressados para as audiências. Aos advogados, divulgava o serviço de
um escritório especializado em
cálculos trabalhistas. Aos trabalhadores, divulgava o serviço de
advogados especialistas em seguros, alvarás, inventários, separação, reclamações trabalhistas e
"até pensão e aposentadoria".
"São R$ 10 a cada jornada de
quatro horas. Também ganho um
percentual de 3% a 4% da causa
trabalhista do cliente que encaminho ao escritório. Dá para tirar R$
1.000 por mês", diz João.
"Isso é desvio ético. Um trabalhador deve procurar o advogado
pela indicação, confiança e recomendação e jamais por abordagem", afirma Nilton da Silva Correia, presidente da Abrat (Associação Brasileira de Advogados
Trabalhistas). "A OAB [Ordem
dos Advogados do Brasil] proíbe
a publicidade com caráter mercadológico. A advocacia não é uma
atividade mercantil e não pode fazer anúncio como faz uma indústria de sabonetes. O direito não
pode ser tratado apenas pela visão
numérica. É um ato de civilidade,
e não de matemática."
O secretário-geral da OAB-SP,
Valter Uzzo, avisa: "A ordem pune e cassa o advogado que tem esse tipo de conduta. Já fizemos várias diligências e estamos investigando várias denúncias recebidas
e encaminhadas ao tribunal de
ética". Para a OAB, uma das formas de acabar com o que chama
de "balcão de negócios" é exigir
que o trabalhador só possa ajuizar
um ação por meio de um advogado. "Como o cidadão comum pode bater na porta da Justiça, sem
um advogado, ao passar na rua já
é laçado por um "paqueiro'", diz.
Para Otávio Brito, vice-procurador geral do Trabalho, o que leva a
Justiça do Trabalho a operar como um "balcão de negócios"
-com "paqueiros" e pedidos de
indenizações"superestimadas"-
é a morosidade no andamento de
processos. "A lentidão só beneficia o empresário", afirma.
"Um juiz em uma região como
São Paulo tem de julgar 200 processos por mês. A média é de
4.000 ações por Vara do Trabalho,
enquanto a lei diz que a média deveria ser de 1.500. Sem estrutura,
não há como dar conta", diz Grijalbo Coutinho, presidente da
Anamatra (Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do
Trabalho). A situação deve ser
"aliviada", em parte, diz, com o
projeto de criação de novas Varas
em tramitação no Senado. "São
269 no país, sendo 22 para a Grande São Paulo [hoje existem 75]. É
pouco, mas já é alguma coisa."
"Há uma indústria que lesa o direito individual do trabalhador. A
norma é descumprir a legislação
trabalhista. Como a fiscalização é
insuficiente, são 5.000 fiscais em
todo o país, isso resulta em um
grande número de ações trabalhistas", diz Coutinho.
(FÁTIMA FERNANDES e CLAUDIA ROLLI)
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