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LUÍS NASSIF
Pepitas raras da MPB
Foi em uma das apresentações do Festival Sete Cordas,
no Centro Cultural Banco do
Brasil de São Paulo, que ouvi a
moça. Cheguei atrasado, mas a
tempo de ouvir o Jorge Simas e o
Luizinho solarem.
Mas, quando a moça entrou
no palco e começou a cantar
uma canção romântica, admito
que não caí de joelhos por uma
questão de compostura. Foram
duas ou três canções, poderiam
ter sido 12 e eu não conseguiria
sair da posição catatônica em
que fiquei, a ponto de ser chacoalhado por minha filha quando o show terminou.
Foi minha amiga Consuelo de
Paula, ela própria cantora excepcional, doce, talentosa, generosa, que me contou o nome do
fenômeno -Fabiana Cozzi- e
depois a levou a um dos saraus
que costumamos fazer periodicamente em casa.
A sensação de todos os convidados foi a mesma do dia em
que Renato Braz, ainda pouco
conhecido, antes de vencer o Prêmio Visa, ainda mantendo a timidez caipira encantadora,
abriu a boca para cantar "Beatriz". Todos constataram de
imediato estar diante de um
cantor diferenciado. Aconteceu
o mesmo com Fabiana.
Comentei sobre ela na lista M-Música de discussão pela internet, e o grande compositor Sérgio Santos, de Belo Horizonte,
admitiu ter tido a mesma sensação no dia em que Fabiana, depois de ter pedido composições
para gravar, telefonou e cantou
uma delas pelo telefone.
Fabiana tem pouco mais de 30
anos, formada na PUC, às segundas-feiras mostra seu talento
no "Ó do Borogodó", ali perto da
Cardeal Arcoverde. E nem gravou ainda seu primeiro CD. O
trabalho é independente, construído passo a passo, dentro das
limitações financeiras de quem
tem que se virar sozinha.
A voz é aveludada, tem um vibrato especial, disponível apenas
nas grandes intérpretes. E Fabiana o utiliza com um discernimento que nada fica a dever a
Elizeth e às grandes cantoras românticas. Sua voz tem o poder
de comover como tinha a voz de
Inhana, de Nana. Quando transita pelo samba, seu balanço e
divisão são estupendos, não apenas a voz mas a musicalidade
capaz de decifrar a música na
primeira audição e transformá-la, fazendo a síntese, mudando o
andamento, de uma maneira
que não ouvia havia muito tempo. Sua experiência de teatro a
dotou de um domínio de palco
que parece mesclar a majestade
de Mônica Salmaso com o balanço de Virginia Rosa.
Não cometeria o exagero de dizer que existem muitas Fabianas
por aí, cantando na noite ou nos
shows menores, à procura de espaço nas gravadoras ou nos circuitos maiores. E digo isso porque daqui a algum tempo, quando seu CD for lançado e seu nome for mais veiculado, Fabiana
será consagrada rapidamente
como uma das grandes intérpretes contemporâneas. Mas que
existe gente boa de dar com o
pau, existe.
Quem já ouviu André Mehmari? É um Yamandú Costa do piano, com o mesmo virtuosismo e
uma formação musical imensamente superior, um dos maiores
talentos que esse país já abrigou.
E o eremita erudito da Paraíba, Vital Farias? Há algumas semanas fui a João Pessoa, consegui seu telefone, liguei, ele me pegou no hotel, me levou a uma casa simples, de três andares, perto
da Bica, que ele construiu com as
próprias mãos. Há alguns anos
descobriu a tecnologia e montou
um pequeno estúdio com três
computadores.
No violão começou a me mostrar sua "Epopéia Negra", uma
peça sinfônica em fase final, em
que misturará cantores líricos e
cantadores nordestinos. E me
mostrou um violão carregado de
Tárrega e Barrios, de Villa e de
Lauro, e me mostrou arranjos
feitos em sintetizadores, com
uma sofisticação, uma capacidade de mesclar o erudito e o popular nordestino à altura do
aluno que ele foi de Radamés
Gnatalli. Eu olhava da varanda
o bairro humilde, o entorno daquele sobrado perdido, vizinho
da Bica. E na minha frente o Vital construindo sua epopéia maravilhosa, que conquistaria
qualquer platéia culta do planeta.
Daí concluí que há algo errado
com essa indústria cultural brasileira. Não é possível tanta jóia
de valor solta por aí, sem espaço
para difundir sua obra.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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