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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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NO PREGO

Valor das operações é 25,6% superior ao do mesmo período do ano passado; em relação a 99, aumento é de 137%

Crise e juros menores fazem penhor bater recorde

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Walkiria Apparecida Lazzarini de Almeida Nogueira, 68, que usa o penhor há cerca de dez anos


CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Rosa Angulo Sgura, 68, repetiu anteontem um ritual iniciado há dez anos: foi a uma agência da CEF (Caixa Econômica Federal) resgatar jóias deixadas em penhor. Pagou R$ 569 para ter de volta umas "quinquilharias", que provavelmente voltarão à Caixa dentro de alguns dias.
Corretora de imóveis, Rosa diz que começou a recorrer ao penhor como forma de investimento, aproveitando a diferença entre os juros cobrados pelo empréstimo e os que eram oferecidos em aplicações financeiras na época de inflação alta. Hoje, volta por necessidade, afirma. "Sou freguesa."
Como ela, milhares de pessoas em todo o país fizeram operações de penhor desde o início do ano. Assinaram 1 milhão de contratos, no valor de R$ 450 milhões, que se juntaram a outros 6,2 milhões feitos no passado e renovados com o pagamento de juros acumulados.
O penhor está sendo usado como nunca por quem precisa de dinheiro rápido, mas quer fugir de agiotas e dos juros do cheque especial. A saída é abrir o porta-jóias e trocar os bens por empréstimos de 28 a 84 dias, que podem ser renovados indefinidamente.
Enquanto a taxa de juros do cheque especial gira em torno de 8% a 10% ao mês, a das operações de crédito garantidas com penhor é de 2,57%, para valores de até R$ 300, e de 3,22%, nos empréstimos de R$ 300 a R$ 15 mil.
No total, o estoque de créditos que têm penhor como garantia atinge R$ 3 bilhões, de acordo com dados da CEF, que detém o monopólio dessas operações. O valor é 25,6% superior ao de igual período do ano passado. Se a comparação for realizada com os primeiros nove meses de 1999, a alta é de 137%.
"Aqui os juros são mais baixos que os do cheque especial e é melhor do que pagar agiota", diz Walkiria Apparecida Lazzarini de Almeida Nogueira, 68, outra "freguesa" do penhor. Na sexta-feira, ela pagou R$ 100 para renovar um empréstimo feito havia 56 dias.
Como Rosa, Walkiria começou a usar o penhor há cerca de dez anos. "De lá para cá, nunca mais sai", afirma. Walkiria se tornou uma "especialista" no assunto e acompanha a cotação do ouro para decidir os melhores momentos de recorrer às jóias.
As mulheres representam 74% do universo de pessoas que utilizam o penhor, revela levantamento da CEF em todo o país. A persistência é outra característica: 78% já usaram esse tipo de empréstimo mais de uma vez.

Decepção
A avaliação é feita na hora por funcionários da Caixa, que têm à sua frente os ácidos para identificar o tipo de ouro da jóia e balança para pesá-la.
Às vezes, o valor oferecido desaponta o potencial cliente. Waldelício Augusto Sacramento, 72, foi à agência da CEF na avenida Paulista, em São Paulo, decidido a penhorar suas alianças de casamento. Aposentado e viúvo há três meses, Sacramento esperava conseguir dinheiro para reforçar sua aposentadoria de R$ 1.260.
Foi informado de que não tinha todos os documentos necessários para realizar a operação e acabou desistindo de voltar após escutar a avaliação: R$ 66. "Não vai refrescar nada", concluiu.
O levantamento da CEF indica que a maioria dos tomadores desse tipo de empréstimo (51%) tem renda familiar de 5 a 20 salários mínimos e 70% usam o dinheiro para quitar dívidas pessoais.
"Nunca vendi minhas jóias e sempre tive algumas em casa para uma emergência", afirma Rosa, que diz já ter recorrido à penhora até para colocar gasolina no carro.

Resgate
Pedro Rigolini, 70, usa a penhora há dois anos. Recuperou as jóias na primeira vez que fez a operação e voltou a penhorá-las há 28 dias, quando conseguiu R$ 1.700. Com o dinheiro, pagou dívidas e comprou remédios. Na sexta, teve de prorrogar o empréstimo, por não conseguir quitá-lo.
"Fui obrigado a penhorar porque não tinha outros recursos", afirmou Rigolini, que ganha R$ 240 de aposentadoria.
Mas a maioria esmagadora das pessoas que recorre ao penhor consegue resgatar suas jóias mediante o pagamento do empréstimo e dos juros. O índice de "inadimplência" varia de 1,8% a 2,3% dos casos, dependendo da região.
Quando não há o pagamento nem a renovação do financiamento, a CEF (Caixa Econômica Federal) leva as jóias a leilão depois de 60 dias. Se o dinheiro obtido na venda for superior à dívida, a diferença é destinada ao tomador do empréstimo.


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