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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Alegria de rico
Com o Datafolha, veio a ducha de água fria: Lula subiu.
Agressividade e prepotência raramente rendem votos
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ALEGRIA DE rico também dura
pouco. Na segunda e na terça,
as hostes oposicionistas vibravam. Nos meios de elite e de classe média, onde a preferência por
Alckmin é muito nítida, havia até
um princípio de euforia. Os principais jornais falavam em vitória do
ex-governador no debate da TV
Bandeirantes no último domingo.
"Nasce um presidente?", perguntava, afoito, um economista, em artigo
publicado aqui na Folha. "Alckmin
prevaleceu", declaravam quase todos, em uníssono.
A principal exceção foi Jânio de
Freitas, que, em sua coluna na Folha, colocou o dedo na ferida. Com
o novo figurino, agressivo e arrogante, o ex-governador se apresentara no debate como "um misto de Fernando Collor e Carlos Lacerda", escreveu ele. Nesse figurino, notavam-se as impressões digitais
de Fernando Henrique Cardoso,
que havia lamentado publicamente
a ausência de alguém como Lacerda na atual conjuntura política...
A comemoração oposicionista foi
prematura. Ontem, com o Datafolha, veio a ducha de água fria: a vantagem de Lula cresceu depois do
debate. Não foi surpresa para mim.
Agressividade e prepotência raramente rendem votos no Brasil.
Agora, o ex-governador Alckmin
talvez seja obrigado a se dedicar a
um debate mais substantivo. Tomara. Tanto ele como o presidente
Lula estão nos devendo uma discussão mais séria sobre os rumos
que pretendem dar ao país.
Em matéria de política externa,
por exemplo. No debate de domingo, o candidato tucano condenou
com veemência a política do atual
governo, que considera "um fracasso". A sua veemência preocupa.
Afinal, essa é uma das poucas áreas
em que houve grande progresso no
governo Lula. Mas, enfim, sempre é
possível melhorar.
Vejamos o que propõe o candidato da oposição. No seu programa de
governo de 148 páginas, a política
externa mereceu um capítulo de
apenas três páginas. Pouco, muito
pouco para quem considera a atual
política um fracasso.
O capítulo começa com a afirmação de que "a política externa brasileira historicamente teve um caráter consensual e suprapartidário".
Afirmação curiosa. No Brasil, como
em qualquer país relevante, a política internacional é freqüentemente tema de controvérsias, não raro
acirradas.
O embaixador Rubens Barbosa,
que assessora o ex-governador nessa área, tem escrito que, com Alckmin, a política externa voltará "a
seu leito natural". O que isso quer
dizer? Só Deus sabe. O programa de
governo dá poucas pistas. Esperemos que esse "leito natural" não seja o velho alinhamento à política de
Washington, que caracterizou
grande parte da política internacional nos governos Collor e FHC, especialmente na gestão da vaporosa
figura de Celso Lafer, um dos piores, talvez o pior chanceler que o
Brasil já teve.
No programa de Alckmin, há
uma referência vaga à necessidade
de "intensificar as relações com os
centros mais dinâmicos da economia global, sem descuidar de nossas ligações, interesses e obrigações históricas com os países menos desenvolvidos". O embaixador Barbosa esclareceu que isso significa "restabelecer a prioridade das
relações com os países desenvolvidos" ("Alckmin e a política externa", "O Globo", 10 de outubro de
2006).
Até onde iria essa prioridade?
Chegaria à aceitação da Alca (Área
de Livre Comércio das Américas)
nos termos propostos por Washington? Isso seria um verdadeiro
desastre para o Brasil, como expliquei de forma pormenorizada no
meu livro mais recente e em diversos artigos que publiquei nesta coluna nos últimos anos. Um dos méritos da política externa do governo
Lula foi ter impedido, em aliança
com outros países, que a Alca se
concretizasse. O programa do candidato tucano se limita a mencionar que irá "atuar pela retomada
das negociações da Alca e explorar
as possibilidades de acordos bilaterais de livre comércio como passos
transitórios do processo de integração continental".
E o Mercosul? O que propõe o
programa de Alckmin? Por incrível
que pareça, "promover ampla reflexão sobre o Mercosul". Só isso?
Só.
Esplêndida concisão.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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