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PAULO RABELLO DE CASTRO
Nações em crise e Carnaval
A força extraordinária do
crédito torna-se, ao fim do
seu ciclo de alta, como
sapateado em gelo fino
O CORTE, em quase pela metade, das taxas de juros americanas -o que corresponde a
um juro real próximo de zero nos
EUA- resultou na momentânea
contenção dos sentimentos do mercado. A mídia procurou resgatar esperança de futuro na cobertura das
"primárias", apesar da relativa pobreza de alternativas.
O balanço da administração Bush
ficará como um dos mais deletérios
para os interesses estratégicos daquela nação-líder. No Iraque, o
Exército americano venceu as batalhas e vai perdendo a guerra. Liquidou Saddam, mas não a hostilidade
contra os EUA. Quem não se lembra
das "oportunidades" de negócios bilionários prometidos para o pós-guerra iraquiano? Cinco anos depois, o saldo é desapontador. Embora a máquina da guerra tenha feito
girar o consumo interno dos EUA,
ajudando a impulsionar as economias de seus fornecedores, especialmente a China, agora chegou a fatura, sob a forma de crise de crédito
sem precedentes. O financista George Soros tem razão quando afirma
ser esta a pior situação enfrentada
pelos mercados nos últimos 60
anos. A raiz da crise não está nas hipotecas "populares". Esse mercado,
apesar de relevante, não detém mais
do que 15% do financiamento de residências nos EUA. Ainda ontem, o
FMI reconheceu, em nota oficial, a
disseminação do calote. As agências
de risco, em polvorosa, aplicam centenas de rebaixamentos de notas.
O sonho americano está pendurado num Orçamento fiscal cuja despesa tem ultrapassado a receita de
impostos em mais de US$ 300 bilhões anuais. Bush acaba de anunciar mais um Orçamento megadeficitário. Pior é o desequilíbrio nas
contas externas, que acumulam necessidades de financiamento a partir do resto do mundo, de US$ 600
bilhões a US$ 800 bilhões por ano. A
crise reflete um elemento de incerteza macroeconômica que não pode
ser afastado ou neutralizado só porque o Fed baixou o juro real a zero. A
técnica do "fugir para a frente", injetando mais liquidez em mercados já
saturados por dívidas (governos,
corporações e famílias), não terá
efeito senão o de prolongar o período de ajuste e estancamento. Os gestores da moeda maquiam a recessão,
mas não eliminam seus efeitos.
A diferença sobre situações anteriores, bem relatadas no livro de
Alan Greenspan -espécie de nova
bíblia das manobras de acomodação
a crises financeiras-, é que, desta
vez, o rompimento se dá no centro
da parede do dique: o próprio sistema bancário dos EUA. O financiamento do déficit americano envolveu toda a estrutura mundial de instituições e fundos, que absorveram
as operações de crédito lastreadas
em garantias colaterais, como são
conhecidas as securitizações (empacotamentos) de financiamentos
imobiliários, de automóveis, de cartões de crédito, serviços etc.
As operações estruturadas em garantias permitiram, por um lado,
que o capitalismo global fosse longe,
ao abrir centenas de milhões de postos de emprego. Contudo a força extraordinária do crédito torna-se, ao
fim do seu ciclo de alta, como sapateado em gelo fino. O sistema de crédito finalmente aprenderá sua lição,
e os mercados de capitais sairão
maiores, mais fortes, regionalmente
mais diversificados, em prejuízo da
hegemonia americana atual.
Se o Brasil perde ou ganha, é ainda
difícil avaliar, pois nossa economia é
mantida na retranca. Em principio,
a crise de fora seria, aqui dentro,
uma oportunidade de ouro. Mas,
sem nenhum senso de oportunidade ou urgência, seguimos sendo o
país de fevereiro, o mês do Carnaval.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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